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O título do filme de Anne Fontaine, Coco Avant Chanel (isto é, “Coco antes de Chanel”), envolve uma curiosa sugestão, ao mesmo tempo social e metafórica. Esta é, de facto, a história de uma mulher que, embora consagrada com o seu verdadeiro apelido (chamava-se Gabrielle Chanel), viveu sempre com a marca ambivalente da sua origem (o nome “Coco” foi-lhe dado por causa de uma canção que interpretava, em espaços não muito sofisticados, nos tempos em que alimentava a ilusão de seguir uma gloriosa carreira musical). Como se estivéssemos perante alguém que se transfigurou no seu próprio fantasma: para Gabrielle, foi necessário passar pela falsidade da alcunha (Coco) para conquistar a verdade do seu nome (Chanel).
Dito isto, não deixa de ser desconcertante que, muito cedo, as potencialidades da personagem sejam desbaratadas num registo que deve muito pouco à tradição da biografia cinematográfica, cedendo com grande preguiça criativa aos ditames do telefime biográfico. A crónica histórica vai dando lugar à narrativa teleológica: como se Coco Chanel não tivesse direito a existir, a não ser para confirmar um “destino” que já conhecemos.
Assistimos, afinal, à ilustração de outro tipo de destino. Depois do impacto de La Vie en Rose (2007), sobre Edith Piaf, dir-se-ia que há um cinema francês que está a tentar rentabilizar algumas figuras nacionais, criando uma galeria de “filmes biográficos” para exportação. É uma estratégia que pode gerar algum efeito imediato mas que, a prazo, tende a diluir a singularidade francesa (que continua a existir) num academismo televisivo sem alternativa. Sobram os actores e a sua resistência aos estereótipos televisivos: Audrey Tautou (O Fabuloso Destino de Amélie) e Benoìt Poelvoorde (no papel de Étienne Balsan, amante e protector de Coco) mereciam um filme que aproveitasse de outro modo as suas muitas qualidades.