Deixa Chover/Parlez Moi de la Pluie é um exemplo modelar de uma tradição que persiste. Ou seja: um cinema francês que não abdica do valor (artístico e humano) dos actores — este texto foi publicado no Diário de Notícias (24 de Dezembro), com o título 'Valorizando o trabalho dos actores'.
Há duas referências cinéfilas, enraizadas nos tempos heróicos da Nova Vaga, que nos podem ajudar a situar o trabalho de Agnès Jaoui e Jean-Pierre Bacri, sobretudo enquanto argumentistas. A primeira provém do cinema social de Claude Chabrol (lembremos o recente A Comédia do Poder, com Isabelle Huppert): as suas histórias mais ou menos policiais nunca perderam uma dimensão de testemunho dos “usos e costumes” e, em boa verdade, é possível ler algumas das principais transformações da sociedade francesa nos últimos cinquenta anos através dos seus filmes; a segunda é Eric Rohmer (autor da série clássica “Seis Contos Morais”, a que pertence A Minha Noite em Casa de Maud): privilegiando a fala como matéria narrativa, a sua obra expõe as euforias, contradições e impasses das palavras.
Jaoui e Bacri não têm o gélido desencanto moral de Chabrol nem procuram a perversa teatralidade que distingue o cinema de Rohmer. Talvez possamos definir o seu trabalho através de uma sistemática atenção às relações humanas (sociais e familiares) e, em particular, um evidente prazer na procura das palavras com que nos revelamos aos outros, porventura a nós próprios. Nessa perspectiva, o título original do novo filme da dupla possui uma luminosa ironia. De facto, Deixa Chover chama-se Parlez-moi de la Pluie. Ou seja, trata-se de um pedido (“fale-me da chuva”) que envolve a necessidade de falar, mas ao mesmo tempo pressente que as palavras podem ser irremediavelmente perturbadoras (mais do que uma mera conversa sobre a chuva...).
Estamos perante um universo que não se confunde com os símbolos mais mediáticos do actual cinema francês. Não encontramos, aqui, a ambição espectacular das grandes evocações biográficas (recordemos os títulos recentes sobre Edith Piaf ou Coco Chanel) e escusado será dizer que este é um terreno estranho às grandes máquinas de produção de que “Astérix” se tornou o modelo de maior sucesso. Deixa Chover distingue-se pela continuada relação com um património cinematográfico em que o retrato social é um valor narrativo essencial, contaminado por componentes mais ou menos melodramáticas. Exemplifica uma estratégia que, em última instância, procura valorizar o trabalho dos actores. Que é aquilo que Agnès Jaoui e Jean-Pierre Bacri, metodicamente, continuam a ser.
Há duas referências cinéfilas, enraizadas nos tempos heróicos da Nova Vaga, que nos podem ajudar a situar o trabalho de Agnès Jaoui e Jean-Pierre Bacri, sobretudo enquanto argumentistas. A primeira provém do cinema social de Claude Chabrol (lembremos o recente A Comédia do Poder, com Isabelle Huppert): as suas histórias mais ou menos policiais nunca perderam uma dimensão de testemunho dos “usos e costumes” e, em boa verdade, é possível ler algumas das principais transformações da sociedade francesa nos últimos cinquenta anos através dos seus filmes; a segunda é Eric Rohmer (autor da série clássica “Seis Contos Morais”, a que pertence A Minha Noite em Casa de Maud): privilegiando a fala como matéria narrativa, a sua obra expõe as euforias, contradições e impasses das palavras.
Jaoui e Bacri não têm o gélido desencanto moral de Chabrol nem procuram a perversa teatralidade que distingue o cinema de Rohmer. Talvez possamos definir o seu trabalho através de uma sistemática atenção às relações humanas (sociais e familiares) e, em particular, um evidente prazer na procura das palavras com que nos revelamos aos outros, porventura a nós próprios. Nessa perspectiva, o título original do novo filme da dupla possui uma luminosa ironia. De facto, Deixa Chover chama-se Parlez-moi de la Pluie. Ou seja, trata-se de um pedido (“fale-me da chuva”) que envolve a necessidade de falar, mas ao mesmo tempo pressente que as palavras podem ser irremediavelmente perturbadoras (mais do que uma mera conversa sobre a chuva...).
Estamos perante um universo que não se confunde com os símbolos mais mediáticos do actual cinema francês. Não encontramos, aqui, a ambição espectacular das grandes evocações biográficas (recordemos os títulos recentes sobre Edith Piaf ou Coco Chanel) e escusado será dizer que este é um terreno estranho às grandes máquinas de produção de que “Astérix” se tornou o modelo de maior sucesso. Deixa Chover distingue-se pela continuada relação com um património cinematográfico em que o retrato social é um valor narrativo essencial, contaminado por componentes mais ou menos melodramáticas. Exemplifica uma estratégia que, em última instância, procura valorizar o trabalho dos actores. Que é aquilo que Agnès Jaoui e Jean-Pierre Bacri, metodicamente, continuam a ser.