Este é o registo de uma conversa com o realizador Jan Kounen que serviu de base à entrevista publicada no Diário de Notícias (3 de Dezembro), com o título 'Chanel e Stravinsky possuem uma dimensão mitológica'.
Realizador do cinema francês, nascido na Holanda (Utrecht, 1964), Jan Kounen assina um insólito filme biográfico: Coco Chanel & Igor Stravinsky encena um amor mais ou menos clandestino que, em boa verdade, não está registado nos livros de história. Não por acaso, o ponto de partida foi um romance: Coco & Igor, do inglês Chris Greenhalg, também responsável pelo argumento do filme.
Este é um filme que suscita a inevitável questão da relação entre os acontecimentos realmente vividos e a liberdade artística de encenação.
Não há provas formais absolutas de que existiu uma relação entre eles, mas, indagando um pouco, tudo indica que sim: não é algo que esteja explicitado nas biografias, mas percebe-se que terá acontecido durante cerca de um ano, quando Coco recebeu Stravinsky e a família na sua casa nos arredores de Paris. Sobre o que aconteceu nessa casa, nada sabemos: é a partir daí que acontece o trabalho, primeiro do romancista, depois do cineasta. Em todo o caso, sabemos que foi no fim dessa relação que ela criou o seu perfume “Nº 5”.
Nesse sentido, o filme que não se fundamenta na lógica dos telefilmes biográficos que tendem a apresentar-nos tudo como “verdadeiro”.
Sim, até porque são personagens que pertencem à história e, ao mesmo tempo, possuem uma dimensão mitológica: Coco encarna, através da herança que deixou, qualquer coisa de eminentemente feminino, enquanto Stravinsky é, obviamente, uma referência musical essencial.
Ao mesmo tempo, em termos estritamente históricos, o filme tenta ser o mais realista possível.
Isso para mim era importante, até para sentir os ecos de tudo aquilo no nosso presente. Quando vemos Coco no seu quotidiano, creio que descobrimos uma figura muito moderna: as suas ideias colocavam-na muito à frente do seu tempo, enquanto Stravinsky vem, curiosamente, de um mundo antigo.
Talvez se possa dizer que Coco se vê como uma artista, mas Stravinsky tem dificuldade em reconhecê-la como tal.
Esse aspecto que interessou-me muito. Temos de um lado um artista, homem, que sofre porque não é reconhecido e, do outro, alguém que tem sucesso e, para mais, é uma mulher. No fundo, quando Stravinsky lhe diz que ela não é uma artista, o que quer dizer é que não a considera tão pura como ele porque o sucesso dela envolve compromissos. Mas ele gostaria de ter o mesmo sucesso... Acontece que, no seu domínio, ele está tão à frente do seu tempo que isso não é possível. Seja como for, creio que Coco não se vê no mesmo plano de Stravinsky: no fundo, ela assumia-se sobretudo como mecenas dos grandes artistas, o que, naturalmente, só a engrandece.
Como encara este tipo de produções históricas no cinema europeu? Será também uma maneira de contrabalançar o poder dos americanos no mercado?
Apesar de tudo, creio que este é um filme muito particular que não se bate no mesmo terreno dos grandes espectáculos americanos. Parece-me que é com outro género de filmes que a Europa tentará desafiar os americanos.
Haverá filmes europeus que possam ser grandes sucessos junto do próprio público europeu?
Sim, a questão faz sentido sobretudo se nos lembrarmos que, globalmente, a Europa tem um número de espectadores mais ou menos equivalente ao americano. Nesse sentido, claro que espero que Coco Chanel & Igor Stravinsky funcione bem, não deixando de reconhecer que é um objecto algo atípico.
Quais são as perspectivas de difusão internacional?
Muito boas. Para já, o filme está vendido para mercados importantes como a Itália e a Inglaterra. Vai mesmo passar na China.