Face à perda de memória cinéfila que favorece a ideia segundo a qual Avatar é uma "novidade" no 3-D, importa, pelo menos, tentar preservar algumas referências factuais. De facto, a história do cinema a três dimensões é quase tão antiga como a história do próprio cinema — vale a pena, a esse propósito, consultar o esclarecedor texto da Wikipedia. Mas foi no começo da década de 1950 que se verificou a maior aposta comercial no formato (com filmes como Bwana Devil, House of Wax, etc.) e resultados comerciais pouco significativos.
Em 1953, Hollywood lançava outra novidade técnica, o formato CinemaScope (sugere-se uma consulta ao excelente site que é The American WideScreen Museum). Como se pode ver pelo cartaz de The Robe, acima reproduzido, fazia-o com uma frase plena de sarcasmo: "O milagre moderno que vai ver sem óculos!" Por tudo isso, importa atentarmos na pluralidade de facetas da história, recolocando Avatar no seu lugar específico de empreendimento enraizado numa estratégia, também ela específica, de reconversão do mercado global das salas de cinema — o texto que se segue foi publicado no Diário de Notícias (17 de Novembro), com o título 'Aguardando a morte do cinema'.
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Quem se recorda do filme A Túnica [The Robe], com Richard Burton e Jean Simmons, realizado por Henry Koster em 1953? Não muita gente: era uma versão rotineira dos “dramas bíblicos” da época, muito longe da excelência de Cecil B. de Mille. Mas é também um filme historicamente incontornável: foi com ele que Hollywood lançou o formato CinemaScope (“ecrã largo”), apostando em fazer frente à “pequenez” dos cada vez mais populares ecrãs de televisão.
É provável que Avatar, de James Cameron [foto], venha a adquirir um lugar semelhante no cinema americano do século XXI: uma aventura mais ou menos incipiente, com um argumento pouco trabalhado (e alguns diálogos de embaraçosa vulgaridade), mas um acontecimento determinante na consolidação dos novos recursos do cinema a três dimensões.
Há um dado perverso neste processo que, em última instância, se pode virar contra a própria indústria. O seu principal motor não é de natureza artística, mas de raiz económica. Não está em causa que o 3-D possa gerar muitas maravilhas (e aguardamos com expectativa as obras em marcha de Tim Burton ou Steven Spielberg). O certo é que os colossais investimentos para adaptar os mercados à nova vaga digital decorrem de uma equação plena de dramatismo: aposta-se no novo formato como o “milagre” que irá resistir à pirataria e, ao mesmo tempo, recuperar muitas franjas de espectadores para as salas.
De acordo com a hipótese mais romântica, estaremos no limiar de uma uma nova idade de ouro. Em termos mais crus, evocaremos a frase atribuída a Jean-Luc Godard [foto], quando questionado sobre a evolução tecnológica dos filmes. O cineasta de Eu Vos Saúdo Maria terá dito: “Aguardo a morte do cinema com optimismo”. Talvez não seja esta a linguagem dos que, em Wall Street, gerem os milhões do cinema americano. Mas as perplexidades do tempo aconselham alguma agilidade conceptual.
Em 1953, Hollywood lançava outra novidade técnica, o formato CinemaScope (sugere-se uma consulta ao excelente site que é The American WideScreen Museum). Como se pode ver pelo cartaz de The Robe, acima reproduzido, fazia-o com uma frase plena de sarcasmo: "O milagre moderno que vai ver sem óculos!" Por tudo isso, importa atentarmos na pluralidade de facetas da história, recolocando Avatar no seu lugar específico de empreendimento enraizado numa estratégia, também ela específica, de reconversão do mercado global das salas de cinema — o texto que se segue foi publicado no Diário de Notícias (17 de Novembro), com o título 'Aguardando a morte do cinema'.
Quem se recorda do filme A Túnica [The Robe], com Richard Burton e Jean Simmons, realizado por Henry Koster em 1953? Não muita gente: era uma versão rotineira dos “dramas bíblicos” da época, muito longe da excelência de Cecil B. de Mille. Mas é também um filme historicamente incontornável: foi com ele que Hollywood lançou o formato CinemaScope (“ecrã largo”), apostando em fazer frente à “pequenez” dos cada vez mais populares ecrãs de televisão.
É provável que Avatar, de James Cameron [foto], venha a adquirir um lugar semelhante no cinema americano do século XXI: uma aventura mais ou menos incipiente, com um argumento pouco trabalhado (e alguns diálogos de embaraçosa vulgaridade), mas um acontecimento determinante na consolidação dos novos recursos do cinema a três dimensões.
Há um dado perverso neste processo que, em última instância, se pode virar contra a própria indústria. O seu principal motor não é de natureza artística, mas de raiz económica. Não está em causa que o 3-D possa gerar muitas maravilhas (e aguardamos com expectativa as obras em marcha de Tim Burton ou Steven Spielberg). O certo é que os colossais investimentos para adaptar os mercados à nova vaga digital decorrem de uma equação plena de dramatismo: aposta-se no novo formato como o “milagre” que irá resistir à pirataria e, ao mesmo tempo, recuperar muitas franjas de espectadores para as salas.
De acordo com a hipótese mais romântica, estaremos no limiar de uma uma nova idade de ouro. Em termos mais crus, evocaremos a frase atribuída a Jean-Luc Godard [foto], quando questionado sobre a evolução tecnológica dos filmes. O cineasta de Eu Vos Saúdo Maria terá dito: “Aguardo a morte do cinema com optimismo”. Talvez não seja esta a linguagem dos que, em Wall Street, gerem os milhões do cinema americano. Mas as perplexidades do tempo aconselham alguma agilidade conceptual.