Será que existe um cinema antes de Avatar e um cinema depois de Avatar? E ainda é cinema, salas e vivência social ou... apenas filmes em DVD? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (13 de Dezembro), com o título 'Cinema a sério ou versões pirateadas?'.
A nova produção de James Cameron, Avatar [estreia quinta-feira, dia 17], suscita a todos enormes expectativas. Está em jogo, não apenas a evolução do entertainment, mas também a integração da nova tecnologia 3-D. Ironicamente, o espectador comum não saberá que a respectiva projecção para a imprensa vai estar envolvida em apertadas medidas de segurança, com detector de metais, proibição de telemóveis na sala e elementos de segurança nos respectivos corredores. Não é, entenda-se, um episódio português na história de Avatar. Nem sequer se trata de uma novidade na relação de Hollywood com a comunicação social: situações semelhantes têm-se repetido ao longo da última década com filmes de grande orçamento. Porquê? Porque a grande indústria está preocupada (e com fundadas razões) com o crescente impacto económico da pirataria dos produtos cinematográficos.
Claro que há um aspecto caricato em tudo isto: julgar que as projecções de imprensa são um foco de produção de cópias ilegais não passa de uma bizarra ingenuidade… Seja como for, é um facto que o desenvolvimento do mercado pirata (no continente asiático, há países em que os circuitos legais estão longe de chegar aos 50 por cento do comércio global) coloca um drástico desafio à indústria cinematográfica: não se trata apenas de defender a difusão em DVD, mas de conseguir que grandes massas de espectadores retomem o hábito de ir regularmente às salas.
O cinema a três dimensões, de que Avatar parece ser uma espécie de símbolo de combate, emerge como um dos trunfos de uma mudança que os grandes estúdios americanos consideram decisiva para a reconquista de muito público. Os próximos anos servirão para testar tal estratégia, até porque alguns criadores emblemáticos (Steven Spielberg, Tim Burton, etc.) estão envolvidos na fabricação de filmes em 3-D.
Não é simples esta dicotomia entre os impulsos para ver cinema puro (material e comercialmente puro) e as versões “alternativas” das cópias pirateadas. Quanto mais não seja porque a questão não pode ser desligada de toda uma cultura global, de raiz televisiva, que todos os dias trabalha para desvalorizar os valores específicos do cinema.
Nos últimos tempos, a proliferação de uma nova variante do DVD, o Blu-ray, introduziu um dado novo numa equação (cultural e económica) já bastante complexa. De facto, por mais que se valorize a experiência primordial do cinema em sala, há que reconhecer que a sofisticação do Blu-ray, sobretudo na imagem, veio revalorizar a questão da fidelidade aos originais e, mais do que isso, as eventuais “equivalências” entre a experiência de ver um filme em casa e a sua descoberta numa sala. Mais ainda: a estratégia de crescimento do mercado de Blu-ray está a passar, não apenas pelos títulos populares mais antigos, mas também por obras exemplares da modernidade.
Temos, assim, a possibilidade de redescobrir clássicos como E Tudo o Vento Levou e O Feiticeiro de Oz, ambos de 1939 (lançados recentemente entre nós). Ao mesmo tempo, em alguns mercados, começam a surgir obras-primas que testemunham as convulsões dos anos 60: por exemplo, no reino Unido, A Mulher Casada (1964), de Jean-Luc Godard, e Belle de Jour (1967), de Luis Buñuel, foram recentemente editados em Blu-ray. Dir-se-ia que os próprios espaços da cinefilia estão a mudar.
segunda-feira, dezembro 14, 2009
Antes (e depois) de "Avatar"
BELLE DE JOUR (1967), de Luis Buñuel
A MULHER CASADA (1964), de Jean-Luc Godard