É bem certo que a palavra génio, como tantas outras, está banalizada, vencida pelo triunfo da mediocridade mediática: do jogador de futebol que marca bem penaltis até ao vencedor habilidoso de um qualquer concurso de televisão, todos são "geniais" — vivemos dentro do imaginário warholiano ("quinze minutos de fama"), agora exponenciado em pesadelo obsceno.
Por uma vez, todavia, vale a pena não recearmos falar de génio. Escutar a arte de Grigory Sokkolov — por exemplo, tocando Schubert (Sonata para Piano em Ré maior, D. 850) e Schumann (Sonata para Piano em Fá menor, op. 14) — é redescobrir a pluralidade imensa do piano e, mais do que isso, ter a certeza de que nenhuma obra, por mais "clássica" ou "integrada", está adquirida como performance. Como se, de facto, ele estivesse ali mesmo, connosco, a detectar os enigmas da pauta (ausente), convocando-nos para um ritual a todos os instantes ameaçado pela maravilhosa vulnerabilidade do factor humano — aconteceu na segunda-feira, 2 de Novembro, no Grande Auditório da Fundação Gulbenkian.