quarta-feira, novembro 04, 2009

Discos da semana, 2 de Novembro

É inegável reconhecer que Is This It (2001), o álbum de estreia dos Strokes figurará entre os dez títulos de referência pop/rock da presente década. Porém, desde então, mais não fizeram que uma (interessante, convenhamos) gestão das ideias que então lançaram. E depois de First Impressions Of Earth (2006) vimos os seus membros a experimentar ideias a solo. O guitarrista Albert Hammond Jr em nome próprio, entretanto já com dois álbuns editados. O baterista Fabrizio Moretti estabelecendo interessante ponte com o Brasil via Little Joy. O baixista Nikolai Fraiture criando os Nickel Eye… A Julian Casablancas, o vocalista, cabe agora, neste Phrazes For The Young, o disco que não só é o melhor de todos os ensaios a solo de membros dos Strokes como representa o passo em frente que há muito tardava na sequência de Is This it?. Memórias de 80 (que tanto vão do apelo festivo de uns A Flock Of Seagulls ao azeite FM de uns Van Halen) habitam canções que, contra a norma baralha-e-volta a dar que tem sido norma em muitas revisões dos oitentas na pop recente, as enquadram antes num contexto que parte do olhar do novo milénio sobre a Nova Iorque de finais de 70 do qual nascera a estreia dos Strokes. Há teclas garridas, ensopadas em melodias, luz quanto baste, mas também a ocasional assombração. Há canções magníficas (Out Of The Blue é uma das pérolas pop do ano). Há exemplos de arranjos elaborados, ao serviço de visões de dimensão quase teatral (como um Ludlow St. ou Glass). E, num alinhamento curto (mas decididamente gourmet), assim se serve um dos mais discos pop mais irresistíveis dos últimos anos. Daqueles que se não consegue deixar de ouvir em "repeat"…
Julian Casablancas
“Phrazes For The Young”

RCA/Sony Music
5 / 5
Para ouvir: MySpace


Foi um momento histórico. 31 de Agosto de 1970, na Ilha de Wight (Reino Unido). Era a terceira edição do festival, e recebia um público quase cinco vezes superior ao que ali havia acorrido no ano anterior. A noite tinha já assistido a uma actuação xamânica de Jimi Hendrix. Tinha esperado e esperado pelo piano (ou órgão) que Leonard Cohen mandara procurar para garantir a sua subida a cena. E enquanto se aguardava, ele mesmo dormia uma sesta… Já passava das duas da manhã quando, finalmente, subiu palco, frente a 600 mil almas, num clima longe de festivo e que poderia ter gerado situações descontroladas. Com fato colonial e voz calma, começou por contar uma história. E quando, pouco depois, fez soar a primeira nota de Bird On A Wire, tinha conquistado a multidão. Começava assim uma actuação histórica, na qual Cohen se fez acompanhar por Bob Johnston e uma mão cheia de músicos escolhidos a dedo. Palavras, por vezes pequenos poemas, cruzavam o alinhamento aqui e ali, as baladas e os momentos mais vivos devidamente disseminados por entre um ‘set’ que visitava canções como Suzanne, So Long Marianne ou Famous Blue Raincoat. Um concerto de excepção, agora evocado numa edição que junta ao áudio um DVD com o filme do concerto e entrevistas com alguns presentes, como Joan Baez ou Judy Collins. Quase 40 depois, é uma bela história que volta a ser contada…
Leonard Cohen
“Live at The Isle Of Wight 1970”

Columbia/Sony Music
4 / 5
Para saber mais: Site oficial


Não é mais o enigmático e promissor, cantautor de quem mais se ouvia falar que da sua música, isto talvez até aos dias de Rejoicing In The Hands (2004)… Também já passou tempo suficiente para se ultrapassarem as comparações do calibre “novo Dylan” que chegaram, sobretudo por alturas do muito recomendável Cripple Crow (2005). Devendra Banhart ganhou o merecido lugar no panorama da década dos zeros, e hoje é indispensável “mobília da casa”. Não é que tenha entrado em piloto automático mas, sobretudo depois de álbuns como o já citado Cripple Crow ou o anterior Smokey Rolls Down Thunder Canyon (o tal concebido sob a visita de uma série de amigos e convidados), o novo What Will We Be mostra-o essencialmente entregue a uma (boa) gestão dos seus argumentos e princípios… Ultrapassou os limites da ideia freak-folk, não limita horizontes, mas raramente procura sair muito além de um certo terreno seguro em que a sua música entretanto se afirmou. As excepções à regra surgem em instantes magníficos como o dançável rebuçadinho pop de 16th & Valencia Roxy Music ou no piscar de olho a heranças eléctricas dos Doors em Rats (curiosamente os dois temas do disco misturados por Daniel Lanois). Há talvez uma razão para que este pareça um disco em que se arruma uma casa. É o primeiro que grava para uma multinacional, certamente com orçamento para garantir a busca de características que até aqui o low-budget obrigava a quase inevitável concretização lo-fi… Opção certa, esta de ensaiar novas ferramentas sob ideias seguras. Para, quem sabe, voltar a voar para mais longe e mais alto logo a seguir. Não surpreende portanto. Mas em nada desilude. E dá-nos mais um belo disco.
Devendra Banhart
“What Will We Be”

WB / Warner
3 / 5
Para ouvir: MySpace


Jona Bechtolt não é um estreante. Natural de Astoria, no Oregon, integrou os The Blow em inícios da presente década e, desde 2003, tem editado regularmente como Yatch, sempre em pequenas independentes. O que mudou? Bom… Em 2008 foi para a estrada com os LCD Soundystem. E voltou a casa com um contrato para gravar pela DFA Records… Um primeiro EP foi editado em 2008, chegando o álbum de estreia para a nova editora já este Verão… See Mistery Lights não esconde o seu bilhete de identidade, sobretudo quando se refere o novo local de residência: a DFA Records… Estão aqui as características basilares daquilo a que se tem vindo a apontar como o “som” da editora: a relação franca com a música de dança, uma alma rock com ascendência genética no punk e uma certa inquietude urbana nesta idade da comunicação global. Não faltam aqui exemplos de boa relação com a canção, seja nas formas mais directas de Ring The Bell ou Psychic City, ora nos arranjos mais elaborados de The Afterlife (um dos momentos maiores do disco). Há aqui heranças colhidas da assimilação das memórias de uns Talking Heads, Tom Tom Club ou Kraftwerk, além das evidentes afinidades com os LCD Soundsystem e outras figuras que no presente se lançam no mesmo comprimento de onda. A See Mistery Lighs falta apenas um alinhamento mais nutritivo, pelo meio surgindo temas claramente menores, daqueles que não magoam na recta final de um EP mas que comprometem o efeito que se espera de um álbum tão determinante para a afirmação de um projecto como este o deveria ser. Está longe de desiludir, mas podia ser melhor…
Yacht
“See Mistery Lights”
DFA Records / Nuevos Medios
3 / 5
Para ouvir: MySpace


A música portuguesa, nos patamares da invenção pop/rock, está a viver aquele que, em conjunto, talvez seja o seu mais inventivo momento desde aquele que, em finais de 90 - e curiosamente com líderes da nova mensagem cantando em inglês - revelou a muitos David Fonseca (então a bordo dos Silence 4). Mais de dez anos depois, e com segura carreira a solo entretanto firmada, David Fonseca é um dos mais sólidos casos de sucesso e aclamação nesse mesmo panorama pop/rock local. Voz de excepção, evidente talento na escrita de canções, um saber nos arranjos e um reconhecido gosto melómano talharam uma obra que não só nos deu bons discos como lhe garantiu a manutenção de um estatuto de popularidade que não o abandonou desde a estreia dos Silence 4. Chegamos ao seu quarto álbum a solo… e de repente parece que nos sentimos a caminho de um beco. Está cá a voz, a mesma capacidade de sempre em escrever canções e lhes dar arte final, assim como um cuidado na escolha das imagens. Há até momentos magníficos, e o single A Cry 4 Love é um deles. Mas, mesmo com mais tempero aqui ou menos ali, uma sensação de tédio sofisticado instala-se com mais frequência que o que seria de esperar. Por um lado mantém-se um certo jogo em terreno seguro, sobretudo na hora de abrir alas aos ecos vivos da memória Silence 4 (ler, as baladas). Por vezes falta espaço, em canções tão cheias de acontecimentos e sons que soterram a atenção. E falta o golpe de asa, o passo adiante, a ousadia que faz com que as carreiras sejam mais que uma soma ordenada de sucessos, e que aqui começa a tardar… O Portugal pop/rock já é um espaço pequeno por via da sua geografia e dimensão cultural. Caminhar para um beco afunila mais ainda os horizontes. E para quem já deu a um álbum o título “Sing Me Something New” é pena ver um talento, com as potencialidades que David Fonseca tem, a caminhar nesse sentido.
David Fonseca
“Between Waves”
Universal
3 / 5
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Também esta semana:
The Hidden Cameras, Weezer, Nirvana (live),Frankie Goes To Hollywood (best of), Bryn Terfel, Rickie Lee Jones, World Party

Brevemente:
9 de Novembro: The Killers (live), Martha Wainwright, Robbie Williams, Shirley Bassey,Tori Amos, The Doors (live), Rolling Stones (reedições)
16 de Novembro: Kraftwerk (caixa),Procol Harum (reedições), Stereophonics, Ryuichi Sakamoto, Soft Machine (live), Kitsouné – Vol 8, Groove Armada, M Pollini (Bach)
23 de Novembro: Tom Waits (live), Miles Davis (caixa), Britney Spears (best of), Lady GaGa (repackage), R.E.M. (live), Landscape (reedições)

Novembro: Atlantic Records (antologia), Foo Fighters, The Cinematics, Spiritualized (reedição),Pixies (caixa), Morrissey (caixa), Tricky
Dezembro: Três Cantos, Echo & The Bunnymen (live), Rolling Stones (reedição), Joni Mitchell (reedições), Cluster, Judy Garland (live)

PS. O texto sobre Julian Casablancas é uma versão editada de uma crítica originalmente publicada na revista NS