Fora uma presença regular entre as listas de grandes edições nos dias em que, em plena década de 90, integrara o catálogo da 4AD – fazendo mesmo de álbuns como Geek The Girl (1994) e Excerpts From The Love Circus (1996) títulos de referência em qualquer boa discografia da década passada. Questões do foro editorial (não no departamento artístico, mas no da distribuição) levaram Lisa Germano a procurar outros caminhos com a chegada do milénio. Começou pelas edições de autor… Mas, reduzidos a um surdo silêncio, os discos passaram longe das atenções, tudo mudando quando Michael Gira a convidou para se juntar ao catálogo da Young God Records. Foi em 2006, com In The Mybe World, pouco depois por ali sendo reeditado o anterior Lullaby For Liquid Pig (originalmente de 2003), numa versão com um CD extra (que inclui excertos da sua actuação lisboeta em finais de 2006). Magic Neighbour continua um percurso de grande afinidade para com esses dois discos mais recentes, propondo uma curta, mas expressiva, colecção de pequenas pérolas de travo outonal. Como Michael Gira já chegou a comentar, estas canções dão-nos a sensação de “caminhar pelos sonhos” de quem as compõe e canta. E uma vez mais sente-se uma entrega pessoal a uma escrita ora auto-biográfica ora nascida de reflexões sobre o real, feita de visões e assombrações, de luzes e penumbras, de resto já características na obra de Lisa Germano. A voz e as palavras surgem num contexto minimalista que, todavia, não impede a presença de cordas, de texturas, de pequenas grandes ideias que fazem de cada canção um discreto pequeno mundo por um lado novo, todavia estranhamente familiar (já que uma noção de “obra” claramente une há muito a discografia da cantora). Magic Neighbour é mais uma colecção de belíssimas canções, guardando para o final do alinhamento um espantoso trabalho de colaboração com Harold Budd (em Painting The Doors), do cruzamento da linguagem muito pessoal de Lisa Germano com o minimalismo ambiental do antigo colaborador de Brian Eno nascendo uma ideia que justificaria um aprofundar de experiências a dois num futuro episódio… Para já, um dos grandes discos de canções de 2009.
Lisa Germano
“Magic Neighbour”
Young God Records
4 / 5
Para saber mais: site da editora
Os islandeses Múm romperam as barreiras da insularidade logo ao segundo álbum, quando Green Grass Of Tunnel (então editado como single) conquistou atenções mundo fora, numa altura em que em vários pólos de invenção indie começava a surgir uma nova forma de encarar as electrónicas ao serviço de uma escrita de canções mais centrada no detalhe e na composição de micro-texturas que nas heranças directas da música de dança, dos seus derivados, e da pop mais luminosa dos oitentas. Sete anos depois o quinto álbum do grupo reconhece ainda essa demanda primordial como base do seu código genético. Mas, e dando seguimento a uma mudança de agenda encetada no anterior Go Go Smear The Poison Ivy (2007), os Múm reafirmam neste seu quinto álbum que as mudanças que se seguiram à partida de Kristin Anna Valtysdottir não são operação do foro cosmético, mas resultado de uma reorientação de preocupações, procurando hoje prioritariamente a canção, votando a um segundo plano a construção de texturas e até mesmo o labor de filigranas de incidentes que outrora desenhara a arquitectura central do que nos apresentavam. Se o álbum de há dois anos lançava novas ideias, o novo Sing Along To Songs You Don’t Know usa-as agora ao serviço de uma consistente colecção de canções. Canções que abrem horizontes a várias cenografias (ler arranjos), propondo aquele que plasticamente é o mais versátil dos discos do grupo. E que, como um todo, representa a sua melhor proposta desde o marcante Finally We Are No One, de 2002.
Múm
“Sing Along To Songs You Don’t Know”
Morr Music / Flur
4 / 5
Para saber mais: site oficial
Não é fácil dar um nome a uma banda. E muitas são as vezes em que os nomes não traduzem mais que uma ideia, o som devendo depois entrar em cena para sabermos do que se trata… Convenhamos que, com os Cold Cave o espaço para a dúvida não é muito. E que melhor nome não podiam ter encontrado para um a ideia pop que evoca uma série de coordenadas da melhor pop sombria de finais de 70. São de Filadélfia, na verdade não mais que a união de esforços de Wesley Eisold a dois novos colaboradores – sendo eles Caralee McElroy (Xiu Xiu) e Dominick Fernow (Prurient) e, contam com uma série de singles editados desde 2008, três dos quais agora reunidos num álbum que confirma na soma das partes um todo consequente. Estamos perante mais uma manifestação de vontade em procurar um presente que acolha ecos de memórias do fértil período pós-punk, num comprimento de onda interessado nas mais assombradas primeiras expressões das emergentes electrónicas ao serviço de uma pop urbana, desencantada, nocturna. O mais recente single, que dá título ao álbum, sugere uma evocação clara do período de transição entre Joy Division e New Order. Porém, há mais em Love Comes Close que novos exercícios de baralha e volta a dar em volta do legado de Ian Curtis e parceiros. Há aqui ecos das primeiras fases de uns Human Legue e OMD, de um Gary Numan (fase Tubeway Army), mas também heranças da cartilha gótica da Inglaterra de inícios de 80. Banda sonora para um fim de noite escura, o álbum de estreia dos Cold Cave revisita, é certo, espaços que nos últimos anos têm estado na montra das atenções. Mas junta ingredientes nem sempre reunidos, num conjunto que, pelo menos, sabe despertar interesse.
Cold Cave
“Love Comes Close”
Matador / Popstock
3 / 5
Para ouvir: MySpace
A dupla dinamarquesa que resulta da parceria entre Sharin Foo e Sune Rose Wagner tem demonstrado, disco após disco, que era mais que apenas um caso apanhado no fogo cruzado de um momento de redescoberta de valores “clássicos” da cultura em solo europeu (que teve nos suecos The Hives os seus mais visíveis rostos). Já passaram sete anos sobre o EP (Whip It On) que apresentou os Raveonettes e, ao quarto álbum, mostram um corpo de trabalho que reflecte a progressiva busca de novas ideias, do rock’n’roll, doo-wop (e suas periferias) de 50 que dominara preocupações nos primeiros discos, tendo entretanto encontrado novos estímulos junto de outras heranças, da evidente presença de uns The Jesus & Mary Chain (e toda a “alma” pop, sob electricidade, da geração C86) a um visível encanto pela obra de uns Suicide (que se destacara já em Dead Sound, no álbum anterior e volta a marcar presença em Last Dance, o primeiro single deste novo disco). Em In Of Out Of Control convocam os vários horizontes pelos quais a sua obra já passou, juntando-os num patamar comum. Assim, ao lado do irresistível apelo pop, sob alma shoegazer, de um Bang! ou Suicide, apresentam um mergulho de travo 50’s em Heart Of Stone e, logo depois, uma balada sob muralha eléctrica em Oh! I Buried You Today. Fala-se de drogas, suicídio, morte, mas sob uma aparente frivolidade que muitas vezes mora junto de quem faz canções em língua que não aquela em que sonha… O disco não repete os feitos do anterior Lust, Lust, Lust, mas dá ao duo mais uma mão cheia de canções mais para fazer a festa que para neuras de fim de noite…
The Raveonettes
“In And Out Of Control”
Fierce Panda Records
3 / 5
Para ouvir: MySpace
Pode ter dado os primeiros passos nos Take That. Pode até haver uma verdade num hipotético cenário de nova colaboração com o grupo. Mas Robbie Williams foi o primeiro a bater com a porta, encetando uma carreira a solo que, em pouco mais de dez anos, dele fez uma das mais bem sucedidas figuras da pop mainstream made in Reino Unido. O estatuto foi conquistado pela força radiofónica de singles “orelhudos”, uma colecção de telediscos bem afinados e uma postura de entertainer em palco que cimentou, frente a multidões, um estatuto diferente do que em tempos vivera entre passinhos de dança bem ensaiados… Os discos? Na verdade os primeiros álbuns a solo de Robbie Williams pouco mais fizeram que ser casa para os singles que ia lançando. E esses, mesmo assim, pouco mais mostrando que as capacidades de uma voz com personalidade, pontualmente assinando alguns momentos de maior interesse (curiosamente em colaborações com nomes como os Pet Shop Boys, Divine Comedy ou Stephen Duffy). Pelo caminho conta-se contudo um valente tropeção para lá das fronteiras do medíocre no momento em que achou que era capaz de vestir a pele de Frank Sinatra… Rudebox, o surpreendente disco de 2006 mostrava novos desafios, outros horizontes… Esteve longe de ser o seu maior êxito (antes pelo contrário)… E na hora do regresso, três anos depois, o músico joga pelo seguro, reencontrando o “seu” som mais “clássico”. Fá-lo todavia num álbum com melhores canções que as que habitualmente mostrava quando vendia discos às pazadas. Não faltam os singles talhados ao gosto do grande público (um ou outro mais descartável, de facto)… Mas há uma interessante construção de uma nova canção sobre Violà (de Françoise Hardy), dois frutos das lições que aprendeu com os Pet Shop Boys (em Last Days Of Disco e Difficult For Weirdos) e sinais da assimilação da herança do musical (Blasphemy). Pop mainstream com cabeça, tronco e membros, e com Trevor Horn na mesa da produção (o que dá um sentido curioso ao título do álbum).
Robbie Williams
“Reality Killed The Radio Star”
Virgin / EMI Music
3 / 5
Para ouvir: MySpace
Também esta semana:
The Killers (live), Martha Wainwright, Shirley Bassey,Tori Amos, The Doors (live)
Brevemente:
16 de Novembro: Kraftwerk (caixa),Procol Harum (reedições), Stereophonics, Ryuichi Sakamoto, Soft Machine (live), Kitsouné – Vol 8, Groove Armada, M Pollini (Bach)
23 de Novembro: Tom Waits (live), Miles Davis (caixa), Britney Spears (best of), Lady GaGa (repackage), R.E.M. (live), Landscape (reedições)
30 de Novembro: Tricky, Pixies (caixa), Spiritualized (reedição),Sparks (ed especial vinil), Manu Chao, Blakroc, Rolling Stones (reedição)
Novembro: Atlantic Records (antologia), Foo Fighters, The Cinematics, Morrissey (caixa)
Dezembro: Três Cantos, Echo & The Bunnymen (live), Rolling Stones (reedição), Joni Mitchell (reedições), Cluster, Judy Garland (live), Animal Collective (EP)