Há 51 anos, num artigo para a Encyclopedie de La Musique, Pierre Boluez referia a existência de cinco “grandes” compositores contemporâneos. Eram eles, assim defendia, Stravinsky, Schoenberg, Webern, Berg e Bartók (na imagem), este último contudo apontado com algumas ressalvas face aos outros quatro, uma das razões sendo a relação que a sua obra mostrava para com a música folk (ou “música de camponeses” como o próprio Bartók a referira). Para o húngaro Bela Bartók (1881-1945) a música folk da Europa Central, turca e árabe representara um “ponto de partida ideal para um renascimento da música”. Já Boulez vira neste interesse uma projecção dos nacionalismos que haviam caracterizado alguma da música europeia em finais do século XIX. Coisa antiga, parecia-lhe… Essa carga genética mora nas fundações da música de Bartók. Mas o compositor foi mais longe que os nacionalistas que o precederam, partindo para o campo em campanhas de recolha, juntando ideias e formas não apenas com vista à criação da expressão de uma identidade cultural, mas nelas encontrando matéria-prima para novas reflexões pessoais. Procurando assim caminhos entre mundos distintos que em si se juntavam pare seguir novos rumos. Definindo, a partir de híbridos, uma linguagem sua, como que antecipando o que hoje é frequente terreno de trabalho nas mais diversas músicas.
Nos últimos anos a música de Bartók ganhou um espaço de evidente destaque junto do trabalho de Pierre Boulez como maestro. Chegou a dirigir, em Aix-en-Pronence, uma produção de O Castelo do Barba Azul para Pina Bausch e, em Lisboa, em 2003, apresentou-se à frente da Filarmónica de Berlim, para interpretar o Concerto para Orquestra… No ano passado, ou seja 50 anos depois do artigo acima referido, Boulez terminou, em Abbey Road a gravação de uma integral da obra para orquestra do compositor húngaro. Essas gravações juntam-se agora a outras que vinha a registar para a Deutsche Grammophon desde inícios dos anos 90, numa caixa de 8 CD que assim propõe uma visita panorâmica a uma obra de absoluta referência. Com a Chicago Symphony Orchestra na maioria das gravações, recorrendo pontualmente à Filarmónica de Berlim e à London Symphony Orchestra, este impressionante conjunto de gravações apresenta ainda solistas como Hélène Grimaud (no Concerto para Piano e Orquestra Nº 3) ou Jessye Norman (a Judite no Castelo do Barba Azul)… Nota para o magnífico texto de acompanhamento, no qual Wolfgang Stähr cita Boulez que fala da sua abordagem a Bartók estabelecendo uma distinção entre um que é um músico não criativo e um músico criativo. Para Boulez, o músico não criativo tem um temperamento que requer “uma identificação completa” com a obra… Já um músico criativo “não se sacrifica a si mesmo” e mantém um “diálogo discriminatório e subjectivo com a história da música”. É como, comprara, “andar de bicicleta… se paramos de avançar, caímos…”. Convenhamos que neste conjunto de gravações nos mostra que ainda não deixou de pedalar…