A edição em DVD de Gimme Shelter — sobre a digressão americana dos Rolling Stones, em 1969 — devolve-nos uma referência incontornável do documentarismo musical. E também uma memória trágica da história do rock: o concerto de Altamonte, em que os Hells Angels mataram um espectador — este texto foi publicado no Diário de Notícias (23 de Outubro), com o título 'Para além da lenda'.
Quando vemos ou revemos Gimme Shelter, é inevitável interrogarmo-nos sobre as razões que fazem com que um filme tão admirável, tão cinematograficamente poderoso, seja quase sempre reduzido a uma referência apenas curiosa na história das relações do documentarismo com a música e, em particular, com o rock dos anos 60/70. Há uma explicação simples para tal “esquecimento”: Gimme Shelter foi lançado em finais de 1970, poucos meses depois de Woodstock, o filme de Michael Wadleigh que rapidamente adquiriu um estatuto lendário.
Mesmo não contestando o valor de Woodstock (bem pelo contrário), importa sublinhar que as singularidades de Gimme Shelter começam na sua resistência a qualquer discurso lendário ou tendencialmente mitológico. Os irmãos Albert e David Maysles, neste caso assinando a realização com Charlotte Zwerin, nunca foram defensores da opção (televisiva) que consiste em colar de forma mais ou menos arbitrária os registos de “reportagem” com algumas entrevistas. Inseridos no Cinema Directo da época (e nas transformações da “nova vaga” da costa leste dos EUA), os Maysles praticaram um cinema de absoluta paixão pelos factos vividos, resistindo a todas as formas de determinismo narrativo ou simbólico.
Daí as espantosas cenas de Gimme Shelter em que Mick Jagger e os seus companheiros são confrontados com as imagens do concerto de Altamonte. Trata-se de aplicar o cinema, não como mera “transcrição” seja do que for, antes como uma máquina de imagens (e sons) que desafia a percepção corrente do mundo. Por alguma razão, em 2006, quando filmou Shine a Light, também com os Rolling Stones, Martin Scorsese convidou Albert Maysles (David faleceu em 1987) a acompanhar a rodagem na qualidade de operador. As heranças são isso mesmo: não referências datadas, mas forças criativas em permanente movimento.
Quando vemos ou revemos Gimme Shelter, é inevitável interrogarmo-nos sobre as razões que fazem com que um filme tão admirável, tão cinematograficamente poderoso, seja quase sempre reduzido a uma referência apenas curiosa na história das relações do documentarismo com a música e, em particular, com o rock dos anos 60/70. Há uma explicação simples para tal “esquecimento”: Gimme Shelter foi lançado em finais de 1970, poucos meses depois de Woodstock, o filme de Michael Wadleigh que rapidamente adquiriu um estatuto lendário.
Mesmo não contestando o valor de Woodstock (bem pelo contrário), importa sublinhar que as singularidades de Gimme Shelter começam na sua resistência a qualquer discurso lendário ou tendencialmente mitológico. Os irmãos Albert e David Maysles, neste caso assinando a realização com Charlotte Zwerin, nunca foram defensores da opção (televisiva) que consiste em colar de forma mais ou menos arbitrária os registos de “reportagem” com algumas entrevistas. Inseridos no Cinema Directo da época (e nas transformações da “nova vaga” da costa leste dos EUA), os Maysles praticaram um cinema de absoluta paixão pelos factos vividos, resistindo a todas as formas de determinismo narrativo ou simbólico.
Daí as espantosas cenas de Gimme Shelter em que Mick Jagger e os seus companheiros são confrontados com as imagens do concerto de Altamonte. Trata-se de aplicar o cinema, não como mera “transcrição” seja do que for, antes como uma máquina de imagens (e sons) que desafia a percepção corrente do mundo. Por alguma razão, em 2006, quando filmou Shine a Light, também com os Rolling Stones, Martin Scorsese convidou Albert Maysles (David faleceu em 1987) a acompanhar a rodagem na qualidade de operador. As heranças são isso mesmo: não referências datadas, mas forças criativas em permanente movimento.