Afinal, de que se fala em televisão? E de que não se fala? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (24 de Outubro), com o título 'O que (não) se discute'.
1. A abertura das televisões aos grandes temas da actualidade (política, económica, etc.) não pode ser minimizada. Em todo o caso, o reconhecimento do seu valor não deve escamotear a avaliação do modo como as questões (não) são discutidas. Sou dos que pensam que a multiplicação de “debates”, incluindo os espaços abertos à intervenção do “público”, está a gerar, perversamente, um imenso conformismo ideológico e emocional. Já pouco se discute, privilegiando-se a exacerbação dos conflitos mais simplistas. Veja-se o que está a acontecer em torno do lançamento do livro Caim, de José Saramago. Mesmo não menosprezando a complexidade dos pontos de vista envolvidos (ou precisamente por causa dessa complexidade), dir-se-ia que não existe mais nada a não ser o facto de termos de um lado o escritor “herege”, do outro a instituição “Igreja”: é um maniqueísmo medieval em que a primeira vítima tem o nome de literatura. Sintomaticamente.
2. Em tudo o que é telejornal, a candidatura ibérica à organização do Mundial de Futebol de 2018 está em destaque: Gilberto Madaíl, presidente da Federação Portuguesa de Futebol, insiste num projecto megalómano, aliás sancionado pelo governo (através de Laurentino Dias, secretário de Estado do Desporto). Que não haja uma única voz política, de nenhum quadrante, a questionar a “prioridade” de tal projecto, eis o que diz bem da apatia de pensamento em que vivemos. É também sintomático que esse hipotético Mundial não suscite qualquer agitação televisiva. Acontece que um espirro de um ministro pode bastar para gastar dias e dias de manchetes e discussões sobre coisa nenhuma... Mas num país em que se gastaram muitos milhões para construir (e manter) estádios que passaram a ter utilizações raríssimas, seria, pelo menos, salutar que alguém se lembrasse de utilizar as televisões para perguntar: que significa, no ano da graça de 2009, voltar a envolver Portugal na organização de um tão gigantesco evento futebolístico? Formular tal pergunta seria um caso exemplar de serviço público.
1. A abertura das televisões aos grandes temas da actualidade (política, económica, etc.) não pode ser minimizada. Em todo o caso, o reconhecimento do seu valor não deve escamotear a avaliação do modo como as questões (não) são discutidas. Sou dos que pensam que a multiplicação de “debates”, incluindo os espaços abertos à intervenção do “público”, está a gerar, perversamente, um imenso conformismo ideológico e emocional. Já pouco se discute, privilegiando-se a exacerbação dos conflitos mais simplistas. Veja-se o que está a acontecer em torno do lançamento do livro Caim, de José Saramago. Mesmo não menosprezando a complexidade dos pontos de vista envolvidos (ou precisamente por causa dessa complexidade), dir-se-ia que não existe mais nada a não ser o facto de termos de um lado o escritor “herege”, do outro a instituição “Igreja”: é um maniqueísmo medieval em que a primeira vítima tem o nome de literatura. Sintomaticamente.
2. Em tudo o que é telejornal, a candidatura ibérica à organização do Mundial de Futebol de 2018 está em destaque: Gilberto Madaíl, presidente da Federação Portuguesa de Futebol, insiste num projecto megalómano, aliás sancionado pelo governo (através de Laurentino Dias, secretário de Estado do Desporto). Que não haja uma única voz política, de nenhum quadrante, a questionar a “prioridade” de tal projecto, eis o que diz bem da apatia de pensamento em que vivemos. É também sintomático que esse hipotético Mundial não suscite qualquer agitação televisiva. Acontece que um espirro de um ministro pode bastar para gastar dias e dias de manchetes e discussões sobre coisa nenhuma... Mas num país em que se gastaram muitos milhões para construir (e manter) estádios que passaram a ter utilizações raríssimas, seria, pelo menos, salutar que alguém se lembrasse de utilizar as televisões para perguntar: que significa, no ano da graça de 2009, voltar a envolver Portugal na organização de um tão gigantesco evento futebolístico? Formular tal pergunta seria um caso exemplar de serviço público.