O filme Andando, de Hirokazu Kore-eda, é também um exemplo modelar de um cinema que recusa dissolver-se na formatação televisiva — este texto foi publicado no Diário de Notícias (8 de Outubro), com o título 'Uma lição que vem do Japão'.
É uma pena que o nosso país continue a ter a telenovela como lei ditatorial da ficção audiovisual. Aliás, não é uma “pena”. É uma dramática questão política decorrente da cultura predominantemente televisiva em que vivemos (questão que, para nossa maior desgraça, voltou a ser tema ausente da campanha para as eleições legislativas).
Importa repetir, por isso, que reconhecer os pesados efeitos normativos das telenovelas não é o mesmo que menosprezar os respectivos temas familiares. Importa relembrar, sobretudo, que não são os “temas” que distinguem as narrativas. São, isso sim, os seus modos de construção e, através deles, a visão do mundo para que nos convocam. São, afinal, os retratos que recusam tratar cada ser humano como um fantoche que se esgota num símbolo “moral” ou “erótico”. Veja-se o caso de Andando (título internacional: Still Walking), belíssima crónica sobre uma família japonesa e, em termos simples, uma das melhores estreias de todo o ano de 2009.
A família encenada por Hirokaku Kore-eda tem tanto de universal como de intensamente privado. Assombrados pela morte acidental do irmão mais velho (ocorrida doze anos antes do tempo em que decorre a acção), filhos e pais, primos e tios, vivem numa espécie de terra de ninguém em que o peso do que não se diz é tão intenso quanto a evidência ambígua dos gestos mais banais do quotidiano.
Kore-eda possui essa arte minimalista (o termo talvez seja demasiado ocidental...) de filmar as rotinas familiares, sabendo expor ao mesmo tempo os sentimentos mais secretos das personagens. Por exemplo, em Andando, os preparativos de uma refeição podem transformar-se num fascinante exercício de introspecção. É uma lição de humildade que, apesar de tudo, nos faz sentir que o cinema continua a resistir à formatação das ideias e dos olhares.
É uma pena que o nosso país continue a ter a telenovela como lei ditatorial da ficção audiovisual. Aliás, não é uma “pena”. É uma dramática questão política decorrente da cultura predominantemente televisiva em que vivemos (questão que, para nossa maior desgraça, voltou a ser tema ausente da campanha para as eleições legislativas).
Importa repetir, por isso, que reconhecer os pesados efeitos normativos das telenovelas não é o mesmo que menosprezar os respectivos temas familiares. Importa relembrar, sobretudo, que não são os “temas” que distinguem as narrativas. São, isso sim, os seus modos de construção e, através deles, a visão do mundo para que nos convocam. São, afinal, os retratos que recusam tratar cada ser humano como um fantoche que se esgota num símbolo “moral” ou “erótico”. Veja-se o caso de Andando (título internacional: Still Walking), belíssima crónica sobre uma família japonesa e, em termos simples, uma das melhores estreias de todo o ano de 2009.
A família encenada por Hirokaku Kore-eda tem tanto de universal como de intensamente privado. Assombrados pela morte acidental do irmão mais velho (ocorrida doze anos antes do tempo em que decorre a acção), filhos e pais, primos e tios, vivem numa espécie de terra de ninguém em que o peso do que não se diz é tão intenso quanto a evidência ambígua dos gestos mais banais do quotidiano.
Kore-eda possui essa arte minimalista (o termo talvez seja demasiado ocidental...) de filmar as rotinas familiares, sabendo expor ao mesmo tempo os sentimentos mais secretos das personagens. Por exemplo, em Andando, os preparativos de uma refeição podem transformar-se num fascinante exercício de introspecção. É uma lição de humildade que, apesar de tudo, nos faz sentir que o cinema continua a resistir à formatação das ideias e dos olhares.