quinta-feira, outubro 15, 2009

Discos da semana, 12 de Outubro

Há uma espécie de magia em volta da noção de “álbum perdido”. Veja-se os casos de um Toys de David Bowie (no qual regravou sob novos arranjos, em 2000, canções que originalmente registara nos anos 60) ou de Reportage dos Duran Duran (com as sessões abandonadas antes da ligação a Timbaland e dos outros mais com quem depois registaram Red Carpet Massacre)… Estão gravados, talvez não misturados como o seriam se agendado um lançamento, mas moram num arquivo, à espera de uma eventual edição um dia (ou nem por isso)… Foi, assim, durante 17 anos, com Let’s Change The World With Music, o álbum que Paddy McAloon compôs e gravou sozinho (na companhia do engenheiro de som Calum Malcolm) em 1992 e que, na altura, chegou a apresentar à sua editora como sendo o sucessor de Jordan (The Comeback), na discografia dos Prefab Sprout… A reunião de apresentação do disco à editora acabara numa série de equívocos e o álbum, pouco depois, posto de lado. Estava desde então na gaveta. E, por sugestão de um amigo (na verdade também seu manager), McAloon voltou a ouvi-lo há pouco tempo… Gostou. E ainda bem que gostou, porque a sua vontade em fazer do disco perdido um disco achado acaba de representar um dos grandes momentos que a música pop conheceu em 2009. Claramente dominado por marcas instrumentais do seu tempo, ritmicamente ginasticado, Let’s Change The World With Music é um absoluto monumento de composição. Com uma agenda temática, alguns poderão mesmo dizer “conceptual”, o disco reflecte sobre a espiritualidade, ora abordando a relação do homem comum com Deus, ora discutindo o poder redentor da música. Celebra heranças que vão de um Debussy, Boulez ou Irving Berlin a Nile Rodgers e Bernard Edwards (todos eles inclusivamente citados na letra de I Love Music) e revela a mesma versatilidade de formas que em tempos escutámos em discos maiores como Steve McQueen (1985), From Langley Park To Memphis (1987) ou o já citado Jordan (The Comeback) (1990), por vezes alargando horizontes e luminisidade a terrenos quase próximos de uma Broadway. Com um viço pop que não habitava nas canções do não menos interessante The Gunmann And Other Stories (2001) e mais dado a falar ao mundo que o que nos mostrou, a solo, em I Trawl The Megahertz (2004), Let’s Change With Music abre uma janela a memórias, nelas reencontrando um dos grandes escritores de canções revelados na década de 80. Que a aclamação que o disco está a conhecer o leve a registar as pilhas de canções que, certamente, ao longo dos anos terá acumulado em gavetas como a que, desde 1992, mantivera esta música em segredo.
Prefab Sprout
“Let’s Change The World With Music”
Kitchenware
4 / 5
Para saber mais: site não oficial


Já o relógio entrava na contagem final para a chegada do milénio e era de uma banda francesa que chegava uma das mais interessantes visões de um futuro capaz de olhar em frente mas reconciliado com linhas e heranças do passado. Era como que uma passagem de testemunho, abrindo horizontes, assegurando a comunicação entre o antes e o depois. Chamou-se Moon Safari e colocava assim os Air na linha da frente do que mais promissor havia para acompanhar na alvorada do século XXI. Convenhamos que cumpriram as promessas, fazendo suceder a esse marco fulcral da discografia pop de 90 uma série de outros discos que cimentaram a sua linguagem pop feita de electrónicas, placidez e capacidade de diálogo. Convenhamos que a agenda de ideias parecia caminhar para o esgotamento, quando o quase inconsequente Pocket Symphony (2007) entra em cena. O novo Love 2 resolve o impasse num disco que parece procurar num reencontro com os seus primeiros sintomas (na verdade leia-se os dias de Moon Safari) um ponto de reflexão para, quem sabe, lançarv num futuro próximo uma nova demanda. Love 2 retoma muitos dos princípios que edificaram esse disco histórico de 1998. Divide o espaço entre ocasionais canções e frequentes instrumentais, devolve a exploração das texturas a estatuto de protagonismo no plano de trabalhos. Só não traz a bordo pérolas maiores como o foram Sexy Boy ou um Kelly Watch The Stars. Love 2 assegura porém o reencontro dos Air com um rumo. E sabe bem voltar a ouvi-los assim.
Air
“Love 2”

Virgin / EMI Music
3 / 5
Para ouvir: MySpace


Editado há dois anos, o segundo álbum dos Editors era um entre uma multidão de valentes tropeções que então pareciam deitar por terra muitos dos estreantes da “classe de 2004-05”, que então haviam entrado em cena animados pela redescoberta de referências pós-punk. Ao terceiro álbum parecem contudo dar-nos agora agradáveis sinais de uma capacidade de regeneração que An End Has A Start não traduzira, conseguindo assim o passo seguinte que a promissora estreia de The Back Room nos propusera em 2005. Arrumam no armário as roupas negras e alargam os horizontes para lá do espaço definido pelos Joy Division, Chameleons e alguns pilares do gótico com que tinham definido a sua agenda inicial. Juntam electrónicas, claramente escutadas entre discos de finais dos anos 70 (Gary Numan, Cabaret Voltaire e até mesmo as bandas sonoras de John Carpenter) e, sem abdicar das sombras, apresentam-se com uma série de canções que revelam um inesperado renascimento. Papillon, o single de avanço, capta as mecânicas do ritmo como fizeram em tempos muitas bandas que, como eles, partiram da negritude urbano-depressiva para descobrir, pela assimilação das electrónicas, que a dança era possível. In This Light And On This Evening não é contudo um disco festivo. É ainda nocturno, todavia capaz de caminhar sob as luzes e olhar além dos túneis e caves onde outrora nasciam as suas canções. Uma boa (e inesperada) surpresa, portanto.
Editors
“In This Light And On This Evening”

PIAS
3/5
Para ouvir: MySpace


Num compasso de espera entre Release The Stars e o álbum que se segue, chegando num mesmo ano em que parte das atenções de Rufus Wainwright se concentraram na estreia da sua primeira ópera, este é na verdade o primeiro registo ao vivo feito de música sua que chega a disco. Rufus tinha já levado uma gravação de um concerto a um DVD oferecido como extra numa das edições de Want (Two). De facto foi gravado ao vivo o CD que ilustra o concerto de homenagem a Judy Garland. Mas Milwaukee At Last representa o seu primeiro álbum ao vivo capaz de traduzir o tom e som característicos dos seus concertos… Convenhamos, contudo, que o disco é aqui, e apesar do protagonismo que a edição lhe dá, apenas um retrato áudio de uma realidade maior com a qual apenas podemos contactar no DVD que é servido como extra e que documenta a totalidade deste concerto captado em Milwaukee, no Wisconsin (EUA) em finais de Agosto de 2007 e no qual se juntam as imagens de palco a alguns momentos de bastidores (nem todos igualmente consequentes). O alinhamento do CD opta por ali concentrar, em versões de palco, grande parte das canções de Release The Stars, acrescentando-lhes versões de Macushla (cantada sem amplificação) e If Love Were All (de Noel Coward) e Gay Messiah, que fecha o concerto. Para o “party number”, ao som de Get Happy, nada como espreitar depois o DVD…
Rufus Wainwright
"Milwaukee At Last"

Decca / Universal
3 / 5
Para ouvir: MySpace


Com os New Order novamente desactivados, Bernard Sumner reolveu avançar, não para uma carreira a solo, mas formando uma nova banda. Já o tinha feito antes, aliando-se a Johnny Marr (e inicialmente som a ajuda de Neil Tennant e Chris Lowe dos Pet Shop Boys), criando os Electronic, com os quais gravou três álbuns durante a primeira etapa de pousio nos New Order. Agora trouxe consigo Phil Cunningham (que substituíra Gillian Gilbert nos New Order já na presente década) e, em alguns dos temas, o baterista Stephen Morris. Contando com a presença de Alex James (Blur) em alguns temas, os Bad Lieutenant são assim como uma espécie de New Order onde falta a presença de Peter Hook… E se a soma das partes o sugere, a música na verdade não foge em nada ao que dela seria de esperar. As electrónicas e as vitaminas dançantes são cada vez mais memória distante dos dias de 80… Pelo que deste primeiro exercício pós-New Order (fase II) não mais acontece que uma natural continuação do regime pop para guitarras que definira os álbuns Get Ready (2001) e Waiting For The Siren’s Call (2005), em regime ainda menos surpreendente… Há dois ou três bons momentos pop (Sink Or Swim é um deles) e ocasionais fugas à regra (como Head Into Tomorrow). Mas, no todo, Never Cry Another Tear é um disco absolutamente inconsequente.
Bad Lieutenant
“Never Cry Another Tear”
Triple Echo /Nuevos Medios
2 / 5
Para ouvir: MySpace


Também esta semana:
Kraftwerk (reedições), Editors, Bob Dylan, Flaming Lips, Echo & The Bunnymen, Bad Liutenant, David Bowie (reedição), Morrissey (lados B), Tod Gustavsen Ensemble, Erasure (EP)

Brevemente:
19 de Outubro: Sufjan Stevens, Annie, Atlas Sound, Leonard Cohen (live 1970), Spandau Ballet, Lyle Lovett, Bauhaus (reedições), Ray Davies (best of), Frankie Goes To Hollywood (reedição)
26 de Outubro: António Pinho Vargas, The Hidden Cameras, Michael Jackson, U2 (reedição), Flight Of The Conchords, Elbow (reedição), R.E.M. (live), Britney Spears (best of), Erasure (reedição), Luke Haines, Tegan and Sara, Michael Nyman + McAlmont
2 de Novembro: Julian Casablancas, The Killers (live), David Fonseca, Weezer, Nirvana (live),Frankie Goes To Hollywood (best of), Bryn Terfel, Rickie Lee Jones, World Party


Novembro: Robbie Williams, Atlantic Records (antologia), Shirley Bassey, Foo Fighters, Kraftwerk (caixa), The Cinematics, Spiritualized (reedição), Ryuichi Sakamoto
Dezembro: Echo & The Bunnymen (live), Rolling Stones (reedição), Joni Mitchell (reedições), Cluster