quinta-feira, outubro 08, 2009

Discos da semana, 6 de Outubro

Não é a primeira vez que vemos uma figura com raizes na cultura pop a dar um salto para lá das fronteiras... pop. Recorde-se por exemplo o percurso de um Scott Walker que, dos dias vividos entre os Walker Brothers e uma carreira a solo que nos deu uma notável sequência de discos na recta final de 60 caminhou, depois de Tilt (1995) para terrenos claramente afastados dos que em tempo definira como seus. Os sinais de mudança lançados pelo álbum Discret Music (1975), de Brian Eno. Ou, numa opção pontual, a aventura “bizarra” que foi Metal Machine Music (1975), de Lou Reed. David Sylvian há muito que dava sinais de busca de algo mais que a simples exploração das formas mais clássicas de escrita de canções, encontrando na música improvisada um campo de trabalho. Com Holger Cuzkay começou por experimentar texturas num díptico de álbuns editado entre finais de 80 e inícios de 90. Com os Rain Tree Crow (colectivo que reuniu os quatro ex-Japan) levou depois a mesma lógica de trabalho à canção, opção novamente posta em prática durante a criação de Blemish (2003), um dos mais notáveis dos discos de Sylvian. O novo Manafon assinala a continuação desta demanda, num passo todavia mais ousado e decidido que nunca. Com a obra do poeta galês R.S. Thomas como ponto de partida da agenda temática, Sylvian chamou a estúdio músicos (entre os quais Christian Fennesz, Evan Parker ou John Tilbury) que lhe permitiram construir peças para lá das convenções da canção, onde contudo palavras e música se unem como um todo consequente. Contido, minimalista, as ideias aqui despidas à sua essência… É um disco alheio às fronteiras dos géneros, que se descobre aos poucos, arrumando-se progressivamente as palavras, formas e texturas a cada novo encontro.
David Sylvian
‘Manafon’
SamadhiSound / Flur
4 / 5
Para ler: site oficial


Este é um dos discos-surpresa do ano (na verdade já com bons indícios lançados por primeiros singles, em edição de autor, lançados ainda em 2008). Chamam-se Girls mas na verdade são um duo de rapazes, com morada em São Francisco (Califórnia). A sua história pessoal tem enredo daqueles que fazem as delícias de quem gosta de histórias “diferentes”… Mas concentremo-nos na música. E aí sublinham uma série de marcas de identidade que assimilam de forma exemplar, propondo no seu álbum de estreia um retrato californiano no presente que reconhece ali haver heranças importantes a não esquecer. Entre as magníficas canções do álbum de estreia dos Girls correm ecos do surf rock, da visão pop para ecrã largo de uns Beach Boys e electricidade quanto baste (sem receio do feedback). Não há aqui uma proposta de revolução. Antes, um novo arrumar de ideias, promovendo no fim um novo olhar sobre um palco com importantes tradições na história da cultura pop. A voz frágil de Christopher Owens e a opção lo-fi na gestão dos ambientes à sua volta juntam-se a uma mão cheia de grandes canções para nos sugerir o disco solarengo (mas com nuvens, sombras e medos por perto) do Verão que há pouco terminou. É, claramente, um dos títulos a reter da produção indie de 2009.
Girls
‘Album’
Fantasy Trashcan / Popstock
4 / 5
Para ouvir: MySpace

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Em tempos ouviamo-la nos discos dos The Concretes, um dos vários grupos da geração pop folk (com alma indie) sueca nascida em finais de 90. Victoria Bergsman decidiu depois partir rumo a outros destinos e, em 2007, estreava-se sob a designação Taken By Trees com o álbum Open Field. Dois anos depois, um segundo álbum, East Of Eden assegura interessante passo, num disco gravado no Paquistão que alarga, em várias frentes, os horizontes da música desta voz rara. O alargar de horizontes não se deve apenas ao que poderia parecer uma marca de assinatura geográfica (em colaboração com Saim Muhammad Ali), que se apresenta logo em To Lose Someone, a faixa de abertura. É que, às marcas locais que firmam pelo som a identidade do espaço que acolheu esta gravação, Victoria Bergsman junta uma série de olhares que visam abarcar experiências além dos terrenos folk em que a vimos dar primeiros passos há alguns anos. A presença de Panda Bear (dos Animal Collective) em Anna e a própria versão “transformada” de My Girls (agora como My Boys), canção originalmente apresentada em Merryweather Post Pavillion, são importantes contributos para um álbum discreto que, com relativamente pouco, acaba por fazer muito. A voz de Victoria Bergsman segue assim passos que, como os dos Beatles em finais de 60, encontraram no Oriente (e em novos parceiros) fontes de reinvenção. East Of Eden é, dessa demanda feita de sonhos e curiosidade, o retrato de uma etapa feliz.
Taken By Trees
‘East Of Eden’

Rough Trade / Popstock
4 / 5
Para ouvir: MySpace


Stuart Price é um talento reconhecido entre o firmamento presente de uma pop com gosto pelo pezinho de dança. A sua colaboração com Madonna no soberbo Confessions On A Dance Floor bastaria como cartão de visita. Mas Stuart Price trabalhou já com outros nomes igualmente distintos, dos The Killers aos New Order… Quando toma conta das rédeas nas suas mãos multiplica-se em nomes e projectos. Já o vimos como Les Rhytmes Digitales, Thin White Duke, Jaques Lu Cont, Man With Guitar… E é talvez esta atomização por pequenos acontecimentos o único factor que explica porque não é Stuart Price um nome com um patamar de reconhecimento semelhante ao que resultaria da soma dos seus feitos em várias frentes. Em 2009 vemo-lo a regressar aos Zoot Woman, a banda através da qual acabou por ter um papel fundamental na definição de caminhos para a redescoberta da pop de inícios de 80 da qual emergiria o fenómeno electroclash. Oito anos depois do álbum que fez de Living In A Magazine um dos primeiros hinos pop do século XXI, Things Are What They Used To Be é um disco pop que mostra um conhecimento histórico das referências que o constroem (nos oitentas, sem surpresa), deixando não menos evidente um domínio pelas actuais opções de produção. Dá uma lição a "alunos" (promissores, entenda-se) como Frankmusik, Dan Black ou mesmo Calvin Harris. Mas nem sempre atinge o patamar de diálogo entre a pop e a cultura de dança de uns Hot Chip ou Simian Mobile Disco, que o próprio Stuart Price tão bem atingira com Madonna. Mesmo assim, um belo motivo para reencontrar uma pop que gosta de dançar.
Zoot Woman
‘Things Are What They Used To Be’
ZWR
3 / 5
Para ouvir: MySpace


Em 2001 os Kings Of Convenience foram uma das principais âncoras de uma certa “invasão norueguesa” que, num mesmo ano, colocou ainda no mapa mundo da cultura pop nomes como, entre outros mais, os Royksopp ou Sondre Lerche… Naturais de Bergen, e com gosto talhado na folk (e numa confessa admiração pela bossa nova), chamaram atenções não apenas pelas belíssimas canções do álbum de estreia Quiet Is the New Loud como, meses depois, pela compilação com remisturas e novos arranjos que nos propuseram no ainda mais surpreendente Versus. De personalidades distintas, Eirik Glambek e Erlend Oye não seguiram sempre juntos o caminho que se seguiu. O primeiro começou por terminar estudos em psicologia, mas hoje tem uma banda em paralelo aos Kings Of Convenience (chamam-se Kommode e estão a gravar um primeiro disco). Erlend Oye, por seu lado, começou por se apresentar a solo como DJ, depois gravou um disco em nome próprio e hoje integra os Whitest Boy Alive, entre todas estas experiências correndo um interesse pela pop e pelas electrónicas. Os Kings Of Convenience são assim como um porto seguro ao qual regressam. Fizeram-no em 2004 com Riot On An Empty Street. Repetem-no agora em Declaration Of Dependence… Ao terceiro disco, e com espaço de manobra fora do duo para outras aventuras, optam por manter intacta a personalidade pop folk tranquila e melodista que chamou primeiras atenções em 2001. Este é um disco de plácida continuidade. Mais uma colecção de canções bem talhadas, ocasionalmente orquestradas, todas elas aceitando como protagonista um jogo de vozes a dois, com as guitarras acústicas por perto. Agradável. Mas sem surpresa (nem sempre é precisa, de facto).
Kings Of Convenience
'Declaration Of Dependence'

Source / EMI-VC
3 / 5
Para ouvir: MySpace


Também esta semana:
Air, Keith Jarrett, Pere Ubu, Tiesto, Ludovico Einaudi, Billy Bragg, Raveonettes

Brevemente:
12 de Outubro: Kraftewrk (reedições), Editors, Bob Dylan, Flaming Lips, Echo & The Bunnymen, Bad Liutenant, David Bowie (reedição), Morrissey (lados B), Tod Gustavsen Ensemble, Erasure (EP)
19 de Outubro: Sufjan Stevens, Annie, Atlas Sound, Leonard Cohen (live 1970), Spandau Ballet, Lyle Lovett, Bauhaus (reedições), Ray Davies (best of), Frankie Goes To Hollywood (reedição)
26 de Outubro: The Hidden Cameras, Michael Jackson, U2 (reedição), Flight Of The Conchords, Elbow (reedição), R.E.M. (live), Britney Spears (best of), Erasure (reedição), Luke Haines, Tegan and Sara, Michael Nyman + McAlmont

Novembro: Julian Casablancas, The Killers (live), Robbie Williams, Bryn Terfel, Nirvana (live), Atlantic Records (antologia), Shirley Bassey, Foo Fighters, Kraftwerk (caixa)
Dezembro: Rolling Stones (reedição), Joni Mitchell (reedições), Cluster


PS. A crítica ao álbum de David Sylvian é uma versão editada de um texto originalmente publicado na revista NS.