segunda-feira, outubro 19, 2009

Anne Sofie von Otter em Lisboa (1/2)

FOTO Mats Bäcker

Esta entrevista com Anne Sofie von Otter realizou-se em Lisboa, a 1 de Outubro, na véspera do seu concerto com as canções de Theresienstadt (Fundação Gulbenkian) — uma versão editada foi publicada, no Diário de Notícias (17 de Outubro), com o título 'Bach não tem de ser pomposo e distante'.

Anne Sofie von Otter é uma intérprete de excepção que gosta de desafiar a tradição e, afinal, o seu próprio estatuto de cantora lírica. Foi assim com For the Stars (2001), em parceria com Elvis Costello, I Let the Music Speak (2006), com canções dos Abba, ou ainda com a notável e pouco ortodoxa antologia de árias reunidas em Bach (2009). Recentemente, esteve entre nós para interpretar no Grande Auditório da Fundação Gulbenkian as canções de Theresienstadt (2007), álbum que reúne composições de músicos presos pelos nazis naquele campo de concentração.

É muito diferente interpretar as canções de Theresienstadt num estúdio de gravação e num palco?
Habitualmente, as pessoas pergunta-me o que significa interpretar as canções por causa da situação que estavam a viver os respectivos autores. Mas devo dizer que estou sempre bem no estúdio. Não o sinto como um lugar morto: canto para o microfone e, afinal de contas, o que fica no disco vai ser escutado por um ouvido humano. Pode dizer-se que imagino o público, por assim dizer, do outro lado da linha. Claro que ter uma audiência, ao vivo, é diferente, mas não muito: a adrenalina e o desejo de comunicar também fazem parte da situação de estúdio.

E que tipo de recepção tem encontrado com o programa com estas canções?

Muito boa: o público mostra-se tocado pelas canções e é levado a reflectir sobre aquilo que escuta. Mas é um espectáculo em que também há espaço para alegria, até para o riso: trata-se, afinal, de celebrar a vida.

Será que, mesmo para os alemães, a herança das canções de Theresien-stadt estava esquecida?
Sim, sem dúvida, até porque a sua publicação só ocorreu há poucos anos. Vicktor Ullmann e Pavel Haas seriam conhecidos de algumas pessoas, mas os outros compositores estavam praticamente esquecidos. Por isso é material completamente novo e, como é óbvio, não é fácil ir um concerto quando nada sabemos sobre os compositores. É por isso que falamos, eu e Daniel Hope, e apresentamos as canções de um modo que esperamos que seja útil.

Que tipo de informações passam nessas apresentações?

Procuramos, antes do mais, explicar que Theresienstadt não era um campo de concentração onde as pessoas fossem mortas em câmaras de gaz. Era um campo de “transição” em que as actividades culturais eram permitidas e, num certo sentido, encorajadas. As noites podiam ser ocupadas com sessões de aprendizagem, de música e canto. Era uma situação excepcional, uma vez que os nazis usavam Theresienstadt para mostrar à Cruz Vermelha internacional.

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