Este texto integra a série "Política das imagens", nas páginas do DN ao longo da campanha para as eleições de 27 de Setembro — foi publicado no dia 22, com o título 'Histeria sem passado nem futuro'.
Algures, num cenário de grande confusão, no meio de muitos populares entusiasmados e ruidosos, acossado pelas câmaras de televisão e pelos microfones das rádios, Mário Soares admitiu algum tipo de acordo pós-eleitoral entre o Partido Socialista e o Bloco de Esquerda. Tanto bastou para que o “conceito” de um governo PS/BE se transformasse num novo “tema” da agenda eleitoral.
Devo dizer que tal possibilidade me parece politicamente inverosímil. Mas isso não passa de um ponto de vista discutível, porventura inconsistente. Seja como for, aquilo que o episódio torna claro é, uma vez mais, que muitas linhas de força do debate político dão entrada no quotidiano através dos próprios “factos” induzidos por um aparato predominantemente televisivo. Na esmagadora maioria das situações, a televisão não se interessa pela complexidade dos pensamentos, muito menos pela serenidade das reflexões e argumentações. O que conta é a eclosão de algum pequeno incidente que possa ser ampliado até se transformar num verdadeiro folhetim mediático: na prática, a televisão comporta-se como agente perverso de uma interminável virose “informativa”, tanto mais procurada quanto puder gerar alguma sensação de perturbação ou mesmo de pânico.
Um dos efeitos desgastantes de tal dispositivo é que, não poucas vezes, os líderes políticos se vêem compelidos a defender os seus próprios discursos, contrariando os modos da sua “transcrição”. Nesse aspecto, Paulo Portas e Francisco Louçã são campeões da semiologia eleitoral: vezes sem conta já os vimos e ouvimos a lembrar “eu não disse isso”. Não que o seu discurso, ou o discurso seja de quem for, seja imaculado. Mas há qualquer coisa de tristemente insólito quando os protagonistas da vida política são forçados a esse trabalho: quer dizer que já ninguém está a escutar.
Algures, num cenário de grande confusão, no meio de muitos populares entusiasmados e ruidosos, acossado pelas câmaras de televisão e pelos microfones das rádios, Mário Soares admitiu algum tipo de acordo pós-eleitoral entre o Partido Socialista e o Bloco de Esquerda. Tanto bastou para que o “conceito” de um governo PS/BE se transformasse num novo “tema” da agenda eleitoral.
Devo dizer que tal possibilidade me parece politicamente inverosímil. Mas isso não passa de um ponto de vista discutível, porventura inconsistente. Seja como for, aquilo que o episódio torna claro é, uma vez mais, que muitas linhas de força do debate político dão entrada no quotidiano através dos próprios “factos” induzidos por um aparato predominantemente televisivo. Na esmagadora maioria das situações, a televisão não se interessa pela complexidade dos pensamentos, muito menos pela serenidade das reflexões e argumentações. O que conta é a eclosão de algum pequeno incidente que possa ser ampliado até se transformar num verdadeiro folhetim mediático: na prática, a televisão comporta-se como agente perverso de uma interminável virose “informativa”, tanto mais procurada quanto puder gerar alguma sensação de perturbação ou mesmo de pânico.
Um dos efeitos desgastantes de tal dispositivo é que, não poucas vezes, os líderes políticos se vêem compelidos a defender os seus próprios discursos, contrariando os modos da sua “transcrição”. Nesse aspecto, Paulo Portas e Francisco Louçã são campeões da semiologia eleitoral: vezes sem conta já os vimos e ouvimos a lembrar “eu não disse isso”. Não que o seu discurso, ou o discurso seja de quem for, seja imaculado. Mas há qualquer coisa de tristemente insólito quando os protagonistas da vida política são forçados a esse trabalho: quer dizer que já ninguém está a escutar.