Este texto integra a série "Política das imagens", nas páginas do DN ao longo da campanha para as eleições de 27 de Setembro — foi publicado no dia 16, com o título 'Foi você que falou em auto-estima?'.
De acordo com a gíria televisiva, costuma dizer-se que o teste decisivo para um dirigente político é a “campanha de rua”. É uma visão simplista, como é óbvio, que nos pode levar a evocar as delícias do paradoxo, repetindo, por exemplo, um dos mais provocatórios slogans dos tempos de Maio 68. A saber: “A coragem é ficar em casa.”
Mas vale a pena atentar naquela “lei” televisiva e perguntar como é que ela se aplica. A resposta é simples e envolve dois efeitos correntes da televisão mais despudoradamente populista: o “apanhado” e o pitoresco. O “apanhado” porque, quase sempre, as câmaras seguem os políticos para tentar fixar (e, num certo sentido, forçar) o acidente mais ou menos anedótico: o beijo inesperado, a frase solta, o bebé, a peixeira, etc... O pitoresco porque, de acordo com tais reportagens, não há elemento do povo que não seja caricatural ou ridículo: e se puder dizer qualquer coisa para a câmara em tom mais ou menos gritado, tanto melhor.
Chama-se a isto estereótipo. De tal modo que, por um complexo processo de interiorização subconsciente, já quase ninguém tenta filmar o que tem à sua frente, procurando apenas reproduzir as “imagens de marca” que, teoricamente, correspondem às expectativas do próprio discurso jornalístico. Na melhor das hipóteses, tudo isso já deu excelentes sketches de Herman José ou de Os Contemporâneos. Tal como as coisas existem, o efeito é de outra natureza: todos os dias somos confrontados com imagens (e sons) que nos representam como seres socialmente anedóticos, fazendo figuração brejeira para um “espectáculo” abrilhantado pelos senhores da política. Mas não desesperemos. Passada esta agitação, alguém aparecerá muito sério em frente das câmaras, agora sob a luz crua do estúdio, perguntando: porque é que os portugueses não têm auto-estima?
De acordo com a gíria televisiva, costuma dizer-se que o teste decisivo para um dirigente político é a “campanha de rua”. É uma visão simplista, como é óbvio, que nos pode levar a evocar as delícias do paradoxo, repetindo, por exemplo, um dos mais provocatórios slogans dos tempos de Maio 68. A saber: “A coragem é ficar em casa.”
Mas vale a pena atentar naquela “lei” televisiva e perguntar como é que ela se aplica. A resposta é simples e envolve dois efeitos correntes da televisão mais despudoradamente populista: o “apanhado” e o pitoresco. O “apanhado” porque, quase sempre, as câmaras seguem os políticos para tentar fixar (e, num certo sentido, forçar) o acidente mais ou menos anedótico: o beijo inesperado, a frase solta, o bebé, a peixeira, etc... O pitoresco porque, de acordo com tais reportagens, não há elemento do povo que não seja caricatural ou ridículo: e se puder dizer qualquer coisa para a câmara em tom mais ou menos gritado, tanto melhor.
Chama-se a isto estereótipo. De tal modo que, por um complexo processo de interiorização subconsciente, já quase ninguém tenta filmar o que tem à sua frente, procurando apenas reproduzir as “imagens de marca” que, teoricamente, correspondem às expectativas do próprio discurso jornalístico. Na melhor das hipóteses, tudo isso já deu excelentes sketches de Herman José ou de Os Contemporâneos. Tal como as coisas existem, o efeito é de outra natureza: todos os dias somos confrontados com imagens (e sons) que nos representam como seres socialmente anedóticos, fazendo figuração brejeira para um “espectáculo” abrilhantado pelos senhores da política. Mas não desesperemos. Passada esta agitação, alguém aparecerá muito sério em frente das câmaras, agora sob a luz crua do estúdio, perguntando: porque é que os portugueses não têm auto-estima?