PAUL KLEE, Carnaval nas Montanhas (1924)
Uma das "leis" mais espantosas que as televisões todos os dias nos tentam impor é a da motivação compulsiva. Exemplo? Veja-se o futebol: um golo pode entrar porque um jogador falhou o pontapé, outro escorregou e, finalmente, porque um buraco na relva alterou a trajectória da bola... mas há sempre um comentador esforçado que nos consegue "demonstrar" que tudo aquilo resultou de uma estratégia de "pressão", de uma táctica em "losango" ou ainda dessa coisa maravilhosa que é a excelência do "jogo aéreo"...
Na noite das eleições legislativas de 27 de Setembro, assistiu-se a algo semelhante. Como? Pelo modo como algumas vozes nos quiseram fazer crer que o eleitorado falou. Claro que falou. Mas quando se aplica tal noção é quase sempre para avançar com deduções que, de facto, extrapolam muito para além do domínio individual e privado em que, por definição, o voto é exercido.
Na prática, isso faz com que o eleitor X ou Y que, por exemplo, voltou a votar no mesmo partido A, B ou C seja instrumentalizado de forma abusiva: afinal, mesmo que ele nem sequer tenha pensado no assunto, o seu voto está condenado a significar "outra coisa"... Do mesmo modo, aquele que mudou o seu voto pode ser citado como alguém que tem uma posição claramente definida sobre maiorias e minorias, governos ou acordos parlamentares.
Curiosamente, este tipo de "raciocínios" tem sempre o mesmo efeito: o de mascarar que, depois da contagem dos votos, as decisões são naturalmente — isto é, democraticamente — transferidas para a classe política. É por isso, aliás, que se fala em democracia representativa. Dir-se-ia que há comentadores que confundem cada eleitor com um ilustrador das interpretações que eles próprios defendem, na prática esvaziando e, num certo sentido, des-responsabilizando a classe política.
Curiosamente, este tipo de "raciocínios" tem sempre o mesmo efeito: o de mascarar que, depois da contagem dos votos, as decisões são naturalmente — isto é, democraticamente — transferidas para a classe política. É por isso, aliás, que se fala em democracia representativa. Dir-se-ia que há comentadores que confundem cada eleitor com um ilustrador das interpretações que eles próprios defendem, na prática esvaziando e, num certo sentido, des-responsabilizando a classe política.