Em Portugal, o comentário político faz-se também de vagas de "conceitos" que, com maior ou menor enraizamento nos próprios factos políticos, tentam enquadrar o pensamento (também ele político). Deste último processo eleitoral fica um desses produtos conceptuais — a "governabilidade" — cuja existência justificaria, em si mesma, uma minuciosa desmontagem psicológica e simbólica.
Não é fácil esclarecer de onde veio esta ideia de "governabilidade", quem a formulou e como a sua expressão se tornou quase obrigatória no quotidiano de debates e comentários. Uma coisa é certa: a premência da "governabilidade" sugere ao eleitor que o seu voto pode ser um erro. Porquê? Porque se não for possível governar o país, a culpa é do próprio voto... Como é óbvio, semelhante insinuação moral articula-se com outra sugestão, esta mais explicitamente política: a de que o voto "útil" é condição essencial para a garantir a dita "governabilidade".
Efeito prático de tudo isto? Desde logo, o de favorecer essa monstruosidade ideológica segundo a qual existem votos "inúteis". Mas também, o de "forçar" o eleitor a considerar que o princípio básico da delegação democrática de poderes — o de fazer uma escolha consciente e motivada — pode e deve ser secundarizado. Em boa verdade, esta hiper-conceptualização da vida político-eleitoral faz do eleitor um jogador de um xadrez cujas regras são tanto mais difusas quanto a sua possibilidade sugere uma hipótese mais ou menos maligna: a do eleitor, incauto ou distraído, votar contra a viabilidade histórica do seu próprio país. Como aqueles comentadores desportivos que gastam horas a proclamar que um resultado foi "injusto" — como se eles tivessem alguma hipótese secreta de resultado que não dependesse das... bolas que entram nas balizas.
Não deixa de ser curioso que, depois, as boas almas venham, pesarosas, lamentar-se da indiferença de alguns sectores da juventude pelas práticas eleitorais. De facto, se votar implica ser sancionado por causa do sentido do próprio voto, para quê votar?