quinta-feira, setembro 10, 2009

Discos da semana, 7 de Setembro

Que mangífica surpresa! Há pouco mais de um ano, a estreia em disco dos britânicos Noah And The Whale revelava um álbum uns valentes furos abaixo das expectativas lançadas por um par de singles que tinham cruzado agradável ingenuidade pop com heranças folk… Tanto que na altura se falava mais da relação do nome da banda com o filme A Lula e a Baleia, de Noah Baumbach, que das canções acabadinhas de chegar… E de repente pareciam mais um nome a arrumar da gaveta do podia ter sido mas não foi… Mas eis que o não dito acaba mesmo como dito. E ao segundo álbum (e profundamente reinventados), oferecem-nos um inesperado monumento, retomando uma solução antiga perante o músico confrontado com uma vida amorosa recém-desmoronada: a escrita de canções para com elas partilhar a dor e assim tentar afastar os males que assombram a alma. Assim foi. Com uma elegância que não lhes conhecíamos no álbum de estreia, convocando a presença de cordas, coros e outra forma de dedilhar as melodias na guitarra, os Noah and The Whale fazem de The First Days Of Spring um verdadeiro manifesto de renascimento criativo. Não é por acaso que mais que um texto crítico o coloca numa mesma linha de notáveis álbuns sobre amores perdidos cujo mais recente e ilustre grande representante será o (ainda insuperado, vinque-se) magistral Sea Change de Beck. As canções dão-nos texto e contexto, cenografando uma história que se descobre através de uma montra de elegantes arranjos, revelando uma visão herdeira dos grandes sinfonistas pop (de Neil Hannon aos Talk Talk) que nos vão obrigar a acompanhar eventuais episódios futuros. Não se perde o quadro pastoral que os inspirou em aventutras anteriores, sobre ele brotando agora paisagens de maior eloquência, em doses de majestade com invulgar sentido de conta peso e medida. O fim do relacionamento entre o vocalista Charles Fink e a cantora Laura Maning acabou, afinal, por dar ao músico as ferramentas para em si descobrir mais que o candidato a autor de vinhetas pop em tom maior a que parecia destinado.
Noah and The Whale
“The First Days Of Spring”

Vertigo Records
4 / 5
Para ouvir: MySpace


Chamam-se Air France, mas são na verdade uma banda sueca, com casa em Gotenburgo. Ganharam alguma visibilidade através de dois EPs que editaram entre 2006 e 2008. Os mesmos – On Trade Wings (o primeiro) e No Way Down (o mais recente) – que agora são reunidos num primeiro álbum ao qual aplicam o título do EP de 2008. As dez composições que aqui reunem mostram neles mais um interessante exemplo do que poderíamos descrever como cultura de fim de noite. Mas ao contrário do que no ano passado escutávamos na estreia de uns Chromatics, entre visões sombrias e atormentadas de fim de noite algures pelas ruas desertas de uma grande cidade, aqui a ressaca parece mais luminosa, encenada ao ar livre, com a luz da alvorada a entrar em cena, sugerindo um qualquer lugar de veraneio com sabor a festa algumas horas antes... Neste seu cartão de visita no formato de álbum os Air France oferecem um vôo rumo ao que, a quase 20 anos de distância, poderá soar como um reencontro com ecos da cultura ballearic (a que marcou os verões de 1987 e 88 em Ibiza, com sérias implicações no futuro imediato não apenas da música de dança, mas da própria canção pop). Entre canções e temas apenas vocalizados, entre paisagens mais tranquilas e ocasionais surtos de beats (sempre polidos e arrumados) o trio sueco procura sonhar através da soma e assimilação de memórias certamente escutadas em discos e relatos do que foram esses verões de festa dançante.
Air France
“No Way Down”

Something In Construction
4 / 5
Para ouvir: MySpace


Nem todos os discos pedem que a revolução esteja ao virar da esquina. Na verdade, e quando muito, apenas uma mão cheia de títulos o sugere no curso de um ano de edições… Mas há quem viva sem essa procupação revolucionária na agenda. E os Yo La Tengo há muito que são um exemplo claro de uma carreira entregue a uma demanda pessoal, somando este ano um quarto de século de vida. Popular Songs é o seu mais recente álbum de originais e revela uma ideia a dois tempos, em ambos os casos abrindo ligações directas com o percurso da história musical da banda. As primeiras nove faixas do álbum revelam algumas das mais evidentes aproximações ao formato mais clássico da canção, convocando naturalmente a paleta de tons que anima uma identidade de horziontes largos, ora piscando o olho à tradição melodista de uma Motown, ora aceitando o desafio da criação de texturas que tanto aceitam a presença de ecos do psicadelismo como revelam um gosto pelo trabalho com elegância para cordas. A recta final do disco revela um trajecto com ambições de outro fôlego, através de três composições longas nas quais transcendem as fronteiras regulares da canção pop para explorar outras visões, uma vez mais demonstrando um interesse pela composição de texturas que suportem essas viagens em terreno de arquitectura mais desafiante. No final fica uma sensação de satisfação e de renovada admiração por um trio que é já referência viva no cenário indie rock. É preciso mais?
Yo La Tengo
“Popular Songs”
Matador / Popstock
3 / 5
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Como indica uma caixa a branco sobre o fundo vermelho da contracapa, “este fonograma não contém ortoxia cristã”… Com marcas de bom humor contraria-se o que até parecia (mas afinal não era) uma vontade de criar uma espécie de par ordenado entre a editora Flor Caveira e uma ideologia que, sem mal algum sublinhe-se, passou por parte dos discos que já nos revelou. Dona Ligeirinha não é o primeiro disco Flor Caveira a assinalar esta opção (B Fachada, por exemplo, já o fizera). E assim é mais um título a contribuir para o alargar do espectro de acção (e personalidade) de uma das mais entusiasmantes editoras nacionais do presente. E agora a música... É mais uma bela surpresa, reforçando a tal participação cada vez mais presente da Flor Caveira na transformação do cenário pop/rock português que comporta, como estas canções o mostram, um retomar de relações com heranças que marcam uma identidade de tempo e de lugar. O nosso lugar. Chamam-se Diabo na Cruz. E exorcizam, como há muito se não ouvia, o que parecia ser uma má relação da música portuguesa (dita moderna) com genéticas de um Portugal musical profundo. São marcas inscritas no genoma cultural português e que, salvo em episódios pontuais nas obras de uns Heróis do Mar, António Variações, Sétima Legião, Banda do Casaco e poucos mais, raras vezes têm marcado presença na personalidade pop/rock de um país com mais bandas criadas por fotocópia que a procurar, afinal, quem são (e quem somos). Falamos de folclore, sim! Este é para já apenas um EP, mas com aperitivos suficientes para acreditar que mais haverá pela frente. E com uma cativante canção-tema que nos dá motivos de festa em jeito de romaria rock’n’roll como há muito não ouvíamos.
Diabo na Cruz
"Dona Ligeirinha EP"

Flor Caveira
3 / 5
Para ouvir: MySpace


Nas últimas semanas têm chegado aos escaparates das novidades discos que vincam a demarcação de uma nova geração de figuras pop capazes de ditar os seus caminhos pela sua própria vontade (leia-se, secundarinzando a personalidade do produtor de serviço), sem que tal comporte um comportamento de nicho. Uma nova geração pop mainstream que, como o fizeram os modelos que admiram na primeira geração pop electrónica em inícios de 80, sabe conciliar uma comunicação com o mercado em grande escala com o vincar de uma identidade mais pensada por si que por uma mesa de brainstorming. Calvin Harris é, de todos os nomes na presente fornada de figuras na berlinda, aquele que não precisou de novos argumentos para chamar atenções em 2009. Já os tinha usado quando se estreara com um single que deixou carta de princípios aberta a todos, que assinava com Acceptable In The 80’s. Ready For The Weekend é o seu segundo álbum, continuando a história onde o anterior o deixara. O alinhamento mostra uma obra em construção firme na construção de uma pop electrónica que, mesmo talhada sobre referências escutadas nos anos 80, acaba moldada pela personalidade do presente. Marcas de tempo que muitas vezes são inscritas através de soluções que não escondem uma preocupação com a pista de dança. Uma boa mão cheia de canções. Um corpo coeso de sugestões… Uns convidados, como Dizzie Rascal ou Chrome a ajudar. E Calvin Harris está pronto para marcar pontos em horas tardias em tempo de fim-de-semana. Mas não muito mais…
Calvin Harris
“Ready For The Weekend”

Sony Music
3 / 5
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Também esta semana:
Beatles (reedições), Mutantes, The Cribs, Ultravox (reedições), Marc Almond, Dot Allison, Brahms (S Rattle), Pete Yorn + Scarlett Johnsson, Kajagoogoo (best of), Julian Cope (reedição)

Brevemente:
14 de Setembro – David Sylvian, Big Pink, The Very Best, Muse, Zero 7, Robin Guthrie, Amanda Blank, J Tillmann, Sparklehorse + Fennesz, Q Tip
21 de Setembro – Rufus Wainwright (live), Madonna, Duran Duran (reedição + DVD), Pearl Jam, Nick Cave, Big Star (reedições), Harmonia + Eno (reedição), Prefab Sprout
28 de Setembro - Hockey, Jan Garbarek (live), Yoko Ono, The Dodos, Ian Brown, Zero 7, Vitalic, No-Man,

Outubro – U2 (reedição), Editors, David Bowie (reedição), Air, Ludovico Einaudi,Pixies (caixa), Morrissey (lados B), Bob Dylan, Kings Of Convenience, Bauhaus (reedições)
Novembro – Robbie Williams, Bryn Terfel, Nirvana (live), Atlantic Records (antologia)