As melhores revelações que a produção musical “pop” (mais as suas várias periferias e afins) made in Portugal nos têm trazido nos últimos anos passam por um interessante denominador comum: a resdescoberta. Uma redescoberta que passa em primeiro lugar pelo reencontrar do gosto (e capacidade) em contar histórias na própria língua, seguindo assim uma tradição que tem em figuras como Sérgio Godinho, José Mário Branco, Fausto Bordalo Dias ou José Afonso os seus quatro pilares fundamentais. E que procura depois, e como em tempos mostrara a chamada “geração Rock Rendez Vous”, o desafio de integrar num contexto de tempo, lugar e identidade cultural uma série de referências musicais contemporâneas com berço além fronteiras… Agora o Real Combo Lisbonense acrescenta um outro sentido a essa noção de redescoberta: a da própria memória de canções durante longos anos esquecidas, arrumadas por uma espécie de comixão que parecia afectar tudo o que vinha de antes da revolução sem carga política no código genético. As primeiras sementes desta redescoberta talvez datem de meados de 90, nas duas magníficas compilações Portugal DeLuxe que devolveram à vida gravações do Thilo’s Combo, Mafalda Sofia, Duo Ouro Negro ou de Natércia Barreto (entre muitos mais), recordando dias technicolor em que, antes da revolução rock’n’roll, a modernidade pop lusitana se inventava entre bares de hotéis e casinos, entre orquestras e conjuntos, em canções de letras inócuas cuja música contudo revelava a busca por um sentido de vistas mais largas, abertas a um mundo que se começava descobrir em viagens de avião. Um mundo de referências que acolhia a bossa nova, as cores de África e outros temperos ‘exóticos’ que com o tempo foram definindo os caminhos do que entretanto começámos a tratar como ‘lounge’. João Paulo Feliciano (em tempos a alma dos Tina & the Top Ten) surge frente a um “combo” instrumentalmente competente, que neste EP de estreia traz ao século XXI a redescoberta de canções de Eugénio Pepe ou Frederico Valério, o belo Sensatez (que em 1966 Simone de Oliveira gravou com o Thilo’s Combo) ou o hilariante A Borracha do Rocha (original do conjunto de Mário Simões), que pede a pés juntos que se transforme num clássico dançante da rentrée… Que venha a seguir um álbum… E com toda a dose de reencontros, uma merecida investida de arqueologia editorial de memórias de um outro Portugal musical pop que há muito anda esquecido.
Real Combo Lisbonense
“Real Combo Lisbonense”
Optimus Discos / Compact Records
4 / 5
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Na era em que (quase) tudo se inventou, a criação de híbridos é veículo de ensaios que, ocasionalmente, geram a surpresa. Eis mais um caso a inscrever neste mesmo departamento. Partem de uma aventura de dois músicos e DJs de Brooklyn (Daniel Collás e Sean Marquand) aos quais se juntam uma série de colaboradores, entre os quais elementos dos TV On The Radio, Mooney Syzuki e o próprio Jon Spencer, e apresentam-se como The Phenomenal Handclap Band. Na bagagem trazem uma variedade de referências que vão do disco sound ao progressivo, passando por ecos das memórias pop ácidas de finais de 60, sem esquecer os prontuários de base do edifício funk… Desarrumados numa montra, os condimentos poderiam parecer ponto de partida para uma viagem sem rei nem roque… Mas é do cruzamento entre ideias que nasce uma música que, animada por uma vitalidade disco, acolhe as demais ideias num todo que se estranha num primeiro contacto mas se torna, gradualmete, um corpo vivo. Aqui se propõe uma espécie de história alternativa onde os Van Der Graaf Generator colaboram com Giorgio Moroder. Ou onde os Earth Wind & Fire e ESG cruzam ideias com a Electric Light Orchestra. Podia ser ainda a banda sonora de um encontro da geração Woodstock com a luminisidade dançante do disco sob a direcção de um maestro (que tanto poderia ser Sly Stone como Isac Haayes). E, para vincar o efeito tutti frutti da coisa, nem falta mesmo uma saborosa cereja de discreto travo glam sobre o bolo disco em Dim The Lights… Tudo isto num contexto que não deixa de ter nos LCD Soundsystem um paradigma que define uma forma de, no presente, convocar todas estas memórias em busca de algo… novo.
The Phenomenal Handclap Band
“The Phenomenal Handclap Band”
Tummy Touch Records
4 / 5
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Ninguém duvida do apontar de Neil Hannon como uma das mais inspiradas (e inspiradoras) das figuras que a música pop descobriu nos anos 90. Através dos Divine Comedy definiu um sentido de elegância pop que traduziu ecos de memórias anteriores à cultura pop/rock. A sua nova aventura em disco, que surge na sequência do maior dos tropeções na sua discografia para os Divine Comedy (em concreto o menor Victory For The Comic Muse, de 2006), revela mais que nunca o seu interesse por elementos da história da canção do século XX. Partilhando o protagonismo com o também irlandês Thomas Walsh (dos Pugwash), e assinando o projecto como The Duckworth Lewis Method, apresenta o mais brit dos álbuns pop dos últimos tempos com uma série de canções sobre… cicket! Sim, o jogo. O sentido de humor muito característico de muitas das canções que Hannon gravou nos Divie Comedy surge aquio em sentido renovado, com o mundo do cricket como matéria-prima para um delcioso ciclo de 12 canções às quais não é estranha a identidade de referências como Noel Coward e outros grandes autores da Inglaterra pré-pop. O disco não repete os feitos de um Fin de Siècle ou A Short Album About Love... Mas devolve claramente a alma dos Divine Comedy a terrenos mais inspirados que os seguidos nos últimos tempos…
The Duckworth Lewis Method
“The Duckworth Lewis Method”
1969 Records / Divine Comedy Records
3 / 5
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Velho amigo de Jack White (e um dos elementos dos Raconteurs), Brendan Benson vai construindo aos poucos uma discografia em nome próprio. O novo My Old, Familiar Friend tem uma história que remonta ao tempo de pausa entre os dois álbuns dos Raconteurs, mas que só agora conhece um final feliz. Em comparação com o anterior The Alternative To Love (de 2005), o novo disco reflecte talvez nas molduras de produção a sua passagem pelos Raconteurs, sem contudo perder na escrita o Norte de uma demanda que acima de tudo procura o retomar de uma série de elementos pop clássicos que vão de uns Kinks ou dos Wings aos The Cars, entre outros mais… De facto, o protagonismo que as heranças dos blues inevitavelmente conhecem quando Jack White está por perto (ler… nos Raconteurs) não tem aqui qualquer materialização. A Brendan Benson parece interessar mais a continuação de uma caminhada pessoal que atinge velocidade de cruzeiro neste quarto álbum (de certa forma mantendo firme o que já conseguira no ainda mais cativante disco de 2005). A voz gosta de caminhar por canções pop que convocam diferentes ideias de arranjos a cada nova situação. Arranjos versáteis, abertos ora à intensidade das escolas power pop ora a uma mais discreta placidez para cordas e voz, em cenários que tão depressa escutam ecos da cultura pré-Beatles como recuperam hábitos que lembram os anos 80.
Brendan Benson
“My Old, familiar Friend”
Echo / Nuevos Medios
3 / 5
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Chama-se na verdade Vincent, mas cedo escolheu usar também o nome do avô, Frank, a referência musical da família. Como Frankmusik, e a poucas semanas de completar os 24 anos, é mais um nome a militar na linha da frente de uma nova geração pop britânica que pouco mais pede para as suas canções que uma mão cheia de sintetizadores e alguma personalidade. E tal como nos demais casos da dupla La Roux ou Little Boots, essa noção de personalidade passa, sem fugir a ambições de mercado, por uma assimilação dos livros de estilo de grandes autores da pop electrónica, de Vince Clarke aos Pet Shop Boys (com quem Frankmusik na verdade já cruzou a estrada e para quem assinou já uma remistura). A sua história pessoal já conheceu alguns instantes de aventura e imaginação sobretudo quando, há alguns meses, cruzou o Reino Unido com nada mais que 20 libras e uma mão cheia de canções nas mãos, contando com os contactos feitos através das redes sociais na Internet para encontrar lugar para actuar e dormir… O álbum que agora nos chega mostra que não é só na estrada que sabe levar as ideias a bom termo. Sem atingir o patamar da estreia de La Roux (cada vez mais o paradigma desta geração), mostra sinais da tal personalidade procurada, tanto nas canções como na voz que lhes dá forma. Sabe estabelecer pontes entre tempos, sobretudo quando usa elementos de Golden Brown dos Stranglers ou Madam Butterfly de Malcolm McLaren na estrutura de novas canções. Pena quando depois resvala para terreno demasiado fácil (ler herança boy e girl band) quando o ritmo cede ocasionalmente a uma melancolia de loja dos 300…
Frankmusik
“Complete Me”
Island / Universal
3 / 5
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Também esta semana:
Noah and The Whale, St Etienne (reedições), Magazine (live, reedição), Michael Jacskon (Motown solo)
Brevemente:
7 de Setembro – Rufus Wainwright (live), Prefab Sprout, Yo La Tengo, Beatles (reedições), Mutantes, The Cribs, Ultravox (reedições), Marc Almond, Dot Allison, Brahms (S Rattle), Pete Yorn + Scarlett Johnsson, Kajagoogoo (best of), Julian Cope (reedição)
14 de Setembro – David Sylvian, Big Pink, The Very Best, Muse, Zero 7, Robin Guthrie, Amanda Blank, J Tillmann, Sparklehorse + Fennesz, Q Tip
21 de Setembro – Madonna, Duran Duran (reedição + DVD), Pearl Jam, Nick Cave, Big Star (reedições), Harmonia + Eno (reedição)
Setembro –Jan Garbarek (live), Hope Sandoval, Yoko Ono, The Dodos
Outubro – U2 (reedição), Ian Brown, Editors, David Bowie (reedição), Air, Ludovico Einaudi,Pixies (caixa)