A construção de novos focos de atenção para as chamadas músicas do mundo (fenómeno que apesar de janelas antigas, ganhou apenas grande expressão discográfica na década de 80) abriu espaços de comunicação entre músicas de geografias distintas. As músicas de África passaram então a surgir mais frequentemente em diálogos com outras referências e em diversas paragens, reinventando-se pela assimilação de elementos da cultura pop. O processo deu-se não apenas pelo reconhecimento de ecos africanos em obras ocidentais (dos Talking Heads a Paul Simon, passando por Peter Gabriel ou Malcolm McLaren), mas também através de nomes de berço local que então ganharam visibilidade global, de Youssou N’Dour a Baaba Maal, de Angelique Kidjo a Mory Kante… Num mundo (o da pop) que vive de tendências, modas e afins, esse clima que assistiu a uma maior divulgação de ideias pop africanas entre meados de 80 e inícios de 90 nem sempre conheceu iguais cenários de então para cá. No último ano vimos, contudo, os Vampire Weekend a redescobrir estes terrenos, ouvimos Damon Albarn a produzir a dupla Amadou & Mariam e descobrimos, através de uma mixtape, o nome de Esau Mwamwaya. Com uma dupla de produtores e DJs, apresentando-se como The Very Best, o cantor (natural do Malawi) convocava aí outras colaborações, dos Ruby Suns aos Architecture In Helsinki, dos Vampire Weekend a M.I.A. Estes dois últimos (se bem que dos Vampire Weekend chamou apenas Ezra Koenig) são agora novamente desafiados a participar no álbum que dá o passo em frente. Novamente acompanhado pelos produtores Etienne Tron e Johan Kalberg, Esau faz dos The Very Best uma das grandes notícias deste ano. O álbum, onde raros são os instantes cantados em inglês, cruza geografias e ideias, trazendo vibrações, cores e o calor de África a uma linguagem pop de vistas largas. A voz de Esau é aqui protagonista, ora experimentando abordagens mais próximas dos modelos de origem, ora respirando um sentido de modernidade pop. E com cereja sobre o bolo em Warm Heat Of Africa, tema-título onde colabora Ezra Koenig, que bem merece o título de melhor canção do Verão de 2009.
The Very Best
“Warm Heat Of Africa”
Nuevos Medios
4 / 5
Para ouvir: MySpace
É inglês. Chama-se Markland Starkie, mas parecendo pouco interessado em figurar entre as fileiras dos cantautores, optou por se apresentar com o nome Sleeping States, expressão que em tempos encontrou num artigo de jornal e lhe pareceu adequada à música que queria fazer. In The Gardens Of The North é o seu segundo álbum (tem um terceiro em CD-R), o primeiro para a Bella Union. A génese do disco pode partilhar algumas afinidades com o processo criativo de alguns cantautores. A solidão e, inclusivamente, o gosto por compor no campo (em concreto as florestas em torno de Bristol), são contudo apenas pontos de partida para uma música que na sua expressão final parece ter mais afinidades com a demanda plástica de um DM Stith que com as trovas para palavras, melodia e desencanto de muitos dos singer/songwriters da actualidade. Apesar de não revelar a opulência quase sinfonista de alguns instantes de Heavy Ghost (o disco que colocou DM Stith na berlinda há alguns meses), In The Gardens Of The North é, como esse outro disco, uma magnífica exposição de delicados acontecimentos. Sussurros que traduzem interesses literários e nos revelam pequenos nadas de um quotidiano que se fez canção. A voz é peça central, por vezes duplicada em magníficos jogos de harmonia (escute-se o belíssimo Gardens Of The South). A guitarra acústica acompanha-a, mas há loops e electrónicas por perto. O cenário instrumental, de resto, acolhe o gosto pela criação de texturas, que não escondem um interesse por obras tão distintas como as de um Scott Walker ou Sam Prekop. É um disco invernal, que olha o frio do outro lado da janela, encontrando conforto entre palavras e sons. A descobrir.
Sleeping States
“In The Gardens Of The North”
Bella Union / Nuevos Medios
4 / 5
Para ouvir: MySpace
Conta qualquer grande história da música que a Veneza podemos associar nomes como os de Monteverdi ou Vivaldi… No século XXI outra música chega contudo da cidade dos canais. E contrasta mais ainda com as suas suas memórias históricas que a ponte de Calatrava que tanta polémica causou… Escutemos o que nos propõe Gugliemo Bottin (que assina apenas como Bottin), um explorador das potelcialidades dos sintetizadores com um gosto formado a ver filmes de terror. Horror Disco não renega as origens formadoras da personalidade do músico veneziano, revelando além de heranças das bandas sonoras que o próprio John Carpenter criou para os seus filmes, um interesse pelas genéticas “italianas” do disco, não poupando também vénias a “mestre” Giorgio Moroder. Sem a claridade festiva que mora em recentes episódios de redescoberta das potencialidades do disco (com Lindstrom na linha da frente dos acontecimentos), Horror Disco propõe um conjunto de visões que escapam ao imediatismo muitas vezes pedido para a pista de dança, sem contudo alguma vez perder a noção do terreno em que se propõe caminhar. São claras as marcas de identidade escutadas no grande livro de estilo do italo disco. Há por aqui teclados analógicos, vocoders, melodismo contagiante. Mas também um gosto pela criação de cenários, de quadros, de ocasionais surpresas… E com as zonas de sombra que qualquer cultor do suspense gosta de sugerir…
Bottin
“Horror Disco”
Bear Funk
3 / 5
Para ouvir: MySpace
Tal como as gravatas ora são mais finas ou largas, também a música vive os seus ciclos de eternos retornos. E nos últimos anos o apelo melodista sob intensidade para electricidade distorcida (ver capítulo shoegazer na história da cultura pop de finais de 80) parece ter conquistado novos admiradores. Entre os nomes que não escondem estes encantos contam-se os The Big Pink, dupla de origem britânica que vem editando regularmente singles com sabor a cartão de visita desde 2008 e que, finalmente, apresentam o muito esperado álbum de estreia… Os cartões de visita, sublinhe-se, chamaram atenções, sobretudo pela capacidade de dosear luminosidade pop em cenário de tensão eléctrica. Velvet, sobretudo, revelara uma escrita capaz de entender como estabelecer o diálogo entre as guitarras em distorção e as electrónicas (processo que nada deverá ser estranho ao facto de um dos elementos do duo ter apostado, enquanto editor, nas ainda emergentes carreiras de uns Klaxons, Titus Andronicus ou Crystal Castles). O álbum A Brief History Of Love é contudo um desapontante culminar de uma espera que parecia indiciar outro desfecho. Sente-se o gosto pelas genéticas que os definem (My Bloody Valentine e Jesus & Mary Chain, acima de quaisquer outros). Mas, mesmo acrescentando o tempero das electrónicas e um olhar presente, acabam por revelar um disco que, além da monumental abertura, ao som de Crystal Visions, raramente atinge o patamar que Too Young To Love e Velvet haviam sugerido.
The Big Pink
“A Brief History Of Love”
4AD / Popstock
2 / 5
Para ouvir: MySpace
Não se pode dizer que estamos perante uma daquelas viagens que nos levam de cavalo para burro. Isto porque, na verdade, este disco já estava gravado antes do álbum que, no ano passado, assinalara a estreia discográfica de Scarlett Johansson (entre colaborações de ilustres como Dave Sitek dos TV On The Radio, Nick Zinner dos Yeah Yeah Yeahs ou mesmo David Bowie, em volta de um alinhamento essencialmente feito de canções de Tom Waits)… Break Up nasceu em sessões gravadas em 2006 entre Scarlett Johansson e Pete Yorn e teve como ponto de partida a memória dos duetos que Serge Gainsbourg registou com Brigitte Bardot em finais dos anos 60. Convenhamos que a coisa ficou mesmo longe do ponto de partida (e do erotismo latente nas colaborações entre Gainsbourg e Bardot não há sequer uma marca por estes lados). As canções de Pete Yorn, em terreno rock amansado e sem solavancos, navegam numa calmaria mediana onde pouco acontece, surgindo apenas a luz (que irradiara em alguns instantes do surpreendente álbum do ano passado) quando se evoca I Am The Cosmos, de Chris Bell (Big Star)… A voz de Scarlett Johannson cumpre o que se lhe pede mas nada acrescenta ao argumento que lhe colocam nas mãos. Assim como o disco nada acrescenta agora à carreira musical da actriz.
Pete Yorn & Scarlett Johansson
“Break Up”
Atco / Warner
2 / 5
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Também esta semana:
David Sylvian, Muse, Zero 7, Robin Guthrie, Amanda Blank, J Tillmann, Sparklehorse + Fennesz, Q Tip, Prefab Sprout
Brevemente:
21 de Setembro – Rufus Wainwright (live), Madonna (best of), Duran Duran (reedição + DVD), Pearl Jam, Nick Cave, Big Star (reedições), Harmonia + Eno (reedição), Richard Hawley, Basement Jaxx, They Might Be Giants
28 de Setembro - Hockey, Jan Garbarek (live), Yoko Ono, The Dodos, Ian Brown, Zero 7, Vitalic, No-Man, Hope Sandoval
5 de Outubro - Air, Keith Jarrett, Pere Ubu, Tiesto, Ludovico Einaudi, Kraftewrk (reedições), Billy Bragg, Raveonettes
Outubro – U2 (reedição), Editors, David Bowie (reedição), Pixies (caixa), Morrissey (lados B), Bob Dylan, Kings Of Convenience, Bauhaus (reedições)
Novembro – Robbie Williams, Bryn Terfel, Nirvana (live), Atlantic Records (antologia)