Será importante sublinhar que Estado de Guerra (The Hurt Locker) é um filme dirigido por uma mulher? Em boa verdade, creio que sim. Não para cairmos na celebração do "feminino" como caução, mas sim para reforçarmos a ideia de que Kathryn Bigelow introduz, de facto, uma diferença na percepção da guerra. É uma diferença que tem a ver com aquilo que raramente é concedido às personagens dissolvidas no drama global da guerra. A saber: o tempo.
Bigelow filma um grupo de soldados americanos especialistas no desmantelamento de bombas, em serviço no Iraque, devolvendo-lhes o terrível assombramento do tempo e dos seus cruéis intervalos: entre o momento de descoberta de uma bomba e o seu possível rebentamento, entre o tiro disparado contra o inimigo e o tiro com que o inimigo responde — no limite, entre a certeza frágil da vida e a proximidade quase táctil da morte. Não há muitos filmes que tenham conseguido filmar essas durações, de tal modo que é inevitável pensarmos em referências radicais como Apocalypse Now (1979), de Francis Ford Coppola, ou Full Metal Jacket/Nascido para Matar (1987), de Stanley Kubrick. Sem ceder a nenhum cliché político, Estado de Guerra é uma viagem perturbante através da mais perturbante questão política: o valor da vida. Digamos, para já, para simplificar, que é um dos filmes maiores dos últimos anos.
PS - Não era fácil traduzir a expressão do título original, The Hurt Locker, que se refere ao estado de alguém "empurrado" para um lugar ou situação de dor e sofrimento. Seja como for, isso não é uma boa razão para ir buscar um título já utilizado: Southern Comfort (1981), filme de Walter Hill sobre uma patrulha da Guarda Nacional americana nos pântanos da Louisiana, foi lançado em Portugal como Estado de Guerra.