"Arte e emoção" poderá ser uma expressão para falar, por exemplo, de ci-nema. Mas na televisão portuguesa serve de nome a um programa sobre... tauromaquia! — este texto foi publicado no Diário de Notícias (28 de Agosto), com o título 'Arte e emoção'.
1. A existência de um magazine sobre tauromaquia (RTP2) é um facto que colide com a minha sensibilidade. Problema meu, dirão alguns. Talvez não, acrescento eu, na certeza de que não estou só na indignação de saber que há animais martirizados em nome da “festa”. Em todo o caso, mesmo passando ao lado dessa questão, como é possível que se faça um programa desses com o título Arte & Emoção? Será por ingenuidade, ou puro desplante, que são apropriadas (e associadas) duas palavras que não podem, nem sequer em nome de qualquer lógica meramente descritiva, ser exclusivo de nenhum domínio da actividade humana? Imaginem que alguém fazia um magazine sobre cinema e lhe chamava Arte & Emoção?
2. A série Californication (RTP1) não é exactamente uma novidade, uma vez que já tinha sido possível acompanhá-la num dos canais do cabo. Ainda assim, vale a pena lem-brar que, na mais recente produção americana, é uma das mais subtis no modo como se apropria de um cliché (a equação “Cali-fórnia=sexo fácil”), transfigurando-o numa cáustica reflexão sobre as fronteiras de um certo hedonismo contemporâneo. Criada por Tom Kapinos, a série consegue também contrariar a própria imagem de marca do seu protagonista, David Duchovny: da frieza romântica do agente Fox Mulder (Ficheiros Secretos), ele renasce aqui como Hank Moody, um escritor bloqueado na escrita e nas relações, dando provas de uma capacidade de representação muito para além de qualquer estereótipo psicológico ou social.
3. Está a passar no canal Hollywood uma bela cópia de Um Lugar ao Sol (1951), o clássico de George Stevens, adaptação do romance Uma Tragédia Americana, de Theodore Dreiser. Face à sua relegação para um canal “es-pecializado”, é inevitável observar como os canais generalistas passaram a dispensar maravilhas como esta, preferindo massacrar os espectadores com a retórica das novelas. Com alguma ironia, podemos recordar que Um Lugar ao Sol tem quase tudo o que uma novela tem: um amor contrariado, as confrontações de classes, perversão e crime... Com algumas diferenças. Que diferenças? Arte e emoção. E Elizabeth Taylor. E Montgomery Clift.
1. A existência de um magazine sobre tauromaquia (RTP2) é um facto que colide com a minha sensibilidade. Problema meu, dirão alguns. Talvez não, acrescento eu, na certeza de que não estou só na indignação de saber que há animais martirizados em nome da “festa”. Em todo o caso, mesmo passando ao lado dessa questão, como é possível que se faça um programa desses com o título Arte & Emoção? Será por ingenuidade, ou puro desplante, que são apropriadas (e associadas) duas palavras que não podem, nem sequer em nome de qualquer lógica meramente descritiva, ser exclusivo de nenhum domínio da actividade humana? Imaginem que alguém fazia um magazine sobre cinema e lhe chamava Arte & Emoção?
2. A série Californication (RTP1) não é exactamente uma novidade, uma vez que já tinha sido possível acompanhá-la num dos canais do cabo. Ainda assim, vale a pena lem-brar que, na mais recente produção americana, é uma das mais subtis no modo como se apropria de um cliché (a equação “Cali-fórnia=sexo fácil”), transfigurando-o numa cáustica reflexão sobre as fronteiras de um certo hedonismo contemporâneo. Criada por Tom Kapinos, a série consegue também contrariar a própria imagem de marca do seu protagonista, David Duchovny: da frieza romântica do agente Fox Mulder (Ficheiros Secretos), ele renasce aqui como Hank Moody, um escritor bloqueado na escrita e nas relações, dando provas de uma capacidade de representação muito para além de qualquer estereótipo psicológico ou social.
3. Está a passar no canal Hollywood uma bela cópia de Um Lugar ao Sol (1951), o clássico de George Stevens, adaptação do romance Uma Tragédia Americana, de Theodore Dreiser. Face à sua relegação para um canal “es-pecializado”, é inevitável observar como os canais generalistas passaram a dispensar maravilhas como esta, preferindo massacrar os espectadores com a retórica das novelas. Com alguma ironia, podemos recordar que Um Lugar ao Sol tem quase tudo o que uma novela tem: um amor contrariado, as confrontações de classes, perversão e crime... Com algumas diferenças. Que diferenças? Arte e emoção. E Elizabeth Taylor. E Montgomery Clift.