Este retrato de Raul Solnado, da autoria de André Carrilho, abria as páginas especiais dedicadas pelo Diário de Notícias (9 de Agosto) a Raul Solnado. Nessas páginas podemos encontrar: um perfil, traçado por Maria João Caetano (completado com '8 momentos de uma vida'); a evocação do seu humor, por Francisco Mangas; uma avaliação crítica da sua passagem pelo cinema, por Eurico de Barros; e um depoimento de Herman José — o texto que se segue integrava também esse dossier, tendo sido publicado com o título 'Uma memória de afectos'.
No mundo do espectáculo, aquilo que dá a medida de uma verdadeira estrela está para além do sucesso. Num certo sentido, está mesmo para além do próprio talento. É algo que tem a ver com o modo como a sua personalidade persiste no imaginário colectivo, mesmo quando já não é uma presença regular junto do público. O caso de Raul Solnado é exemplar. E não só porque alguns dos seus trabalhos mais remotos (a começar pelo emblemático “A Guerra de 1908”) persistem nesse imaginário, transcendendo gerações e modas. Acima de tudo porque Solnado ficou como uma referência afectiva, afectivamente portuguesa. Talvez possamos aplicar-lhe a máxima de Hitchcock que, para definir as paradoxais tensões dos seus filmes, lembrava que os seus heróis eram pessoas normais, isto é, seres ordinários envolvidos em situações extraordinárias. Solnado terá sido o português normal, anedótico ma non troppo, sempre confrontado com tudo aquilo que transcende o seu conhecimento e questiona os limites do seu próprio universo. Como em todos os grandes cómicos, isso gerava uma teia de riso e mágoa, festa e desencanto. Sempre com uma mensagem de aconchego: afinal de contas, ele ensinava-nos que ser normal dá muito trabalho.