Cinco Minutos de Paz/Five Minutes of Heaven poderá ser uma excelente ilustração desse cinema. Realizado pelo alemão Olivier Hirschbiegel (A Queda), trata-se de uma história que começa, em meados dos anos 70, com o assassinato de um jovem irlandês por outro jovem — o irmão mais novo da vítima assiste a tudo, iniciando uma tragédia que vai acompanhar os seus protagonistas durante décadas. Muito para além de qualquer maniqueísmo moral ou mediático, este é um caso exemplar de abordagem das convulsões colectivas que não menospreza as infinitas nuances das psicologias individuais.
Este texto sobre o filme de Olivier Hirschbiegel [foto] foi publicado no Diário de Notícias (23 de Julho), com o título 'O silêncio que vem do passado'.
Há uma imagem incrível que pontua Cinco Minutos de Paz. Nela vemos Joe Griffin, ainda criança, uma bola de futebol nas mãos, a olhar para Alistair Little (em adultos interpretados, respectivamente, por James Nesbitt e Liam Neeson). A imagem surge logo depois de Alistair ter assassinado o irmão de Joe: este estava à porta de casa, a brincar com a sua bola, e limita-se a olhar para Alistair. Imóvel, siderado pela violência a que acabou de assistir, Joe não tem nada para dizer. Nem sequer há nele a prece de quem sabe que pode ser a próxima vítima: não nem palavras, ficou prisioneiro de um silêncio imenso e devastador.
Cinco Minutos de Paz é um filme sobre esse silêncio, sobre os actos e palavras com que, passados mais de trinta anos, as personagens tentam preenchê-lo. O primeiro ensaio é, sintomaticamente, de natureza televisiva: Alistair e Joe são convidados de um programa cujo tema é a “reconciliação”, baseado no princípio de colocar frente a frente as partes do conflito irlandês. O filme demonstra como a “boa vontade” da televisão a nada conduz. E fá-lo sem demonizar os profissionais da televisão: acontece que a sua piedade institucional (?) nunca parou um instante para reflectir sobre a dolorosa complexidade do que tentam colocar em cena. Acima de tudo, falta-lhes a capacidade de perceber que as pessoas não são “modelos” (políticos, morais, sociais...): são seres de carne e desejos, impossíveis de reduzir a padrões edificantes.
Num mercado cada vez mais desequilibrado (em cada seis ecrãs portugueses, um está a exibir Harry Potter), Cinco Minutos de Paz é mais um filme para celebrar o nosso Verão cinematográfico. Tal como As Praias de Agnès, de Agnès Varda, há nele a capacidade de não desistir de um cinema que resiste à frivolidade dos tempos, sem medo de ser contundente, grave e adulto.