Sempre existiram dúvidas e especulações, para além de brincadeiras de mau gosto, sobre o devir branco da pele de Michael Jackson. Resultado de uma deficiência imunológica? Efeito de múltiplas cirurgias plásticas? No limite, o renegar da cor negra?
A maioria de tais discursos decorre de um pressuposto filosófico que, mais do que nunca, importa questionar. Assim, o negro da pele de Jackson seria uma espécie de imanência intocável — não um dado biológico, mas um destino cultural. Daí os muitos juízos negativos desencadeados pelas suas transformações ao longo dos anos: Jackson estaria a tocar no intocável, isto é, a pôr em causa a transcendência inerente ao seu corpo.
De facto, Jackson viveu o seu corpo de modo bem diferente. Para ele, o corpo foi a tela material de uma cultura de todas as miscigenações. Ou ainda (e é uma dimensão "escandalosa" que muitos nunca lhe perdoarão): enquanto trabalhador de formas artísticas, Jackson escolheu não acentuar as diferenças — preto e branco —, mas sim celebrar a indiferenciação — preto ou branco.
É esse, aliás, o sentido mais óbvio da canção Black or White (nestes dias tantas vezes erradamente referida como "Black and White"), onde ele canta: "Não interessa se és negro ou branco." É um sentido apoteoticamente celebrado no respectivo teledisco, uma das obras-primas da sua iconografia, realizado em 1991 por John Landis. Desde a coabitação cenográfica de vários símbolos internacionais (Estátua da Liberdade, Torre Eiffel, Big Ben, etc.) até à assombrosa fusão final de rostos de todas as origens, Black or White é uma bandeira visionária do mundo de morphing em que vivemos. Um mundo em que, sem renegar os traumas da história, é possível representar o impensável: a cor branca como uma das formas de continuar a ser negro — e as infinitas simetrias de tudo isso.