domingo, julho 19, 2009

Inventar o século XX

Não é fácil definir qual é o momento que assinala, musicalmente, o início do século XX. No seu livro The Rest Is Noise, Alex Ross aponta a ópera Salomé, de Richard Strauss, como um importante ponto de viragem. De facto é um momento marcante. Mas as fronteiras aqui não são precisas. E, tanto antes como depois, há obras e autores onde se revelam indícios, sinais de mudança que antecipam linhas e destinos que a música depois tomou e que, assim, se afrirma igualmente fundamentais na definição da transição para um século XX que alargou em muitos sentidos os destinos da criação musical. Uma dessas peças indicadoras de sinais de mudança, apesar de estreada já em 1902 (em Viena), foi composta ainda em 1899. Trata-se de Verklärte Nacht (habitualmente traduzida para português como Noite Transfigurada), e representa uma das primeiras composições de Arnold Schoenberg. São inúmeras as gravações disponíveis deste sexteto, tendo a Deutsche Grammophon apresentado, na magnífiica série 20th Century Classics, em meados dos anos 90, uma interpretação pelo LaSalle Quartet, ao qual se junta Donald McInnes (viola) e Jonathan Pegis (violino).

Arnold Scoenberg (1874-1951) revelar-se-ia uma das principais figuras e referências da história da música no século XX. É sobretudo conhecido pelo trabalho que desenvolveu no que acabou conhecida como a “segunda escola de Viena”, que abriu alas à exploração da atonalidade. Desenvolveu a escala de doze tons, colocando em cena uma nova forma de usar as doze notas da escala cromática e foi o primeiro compoistor a propor uma música independente da presença de uma ideia melódica central ou de referência. As suas ideias marcaram as gerações seguintes de compositores, gerando reacções de devota admiração, mas também de total rejeição. Professor e teórico, reflectiu sobre uma nova forma de abordar a música através de um prisma mais analítico que teve depois influência directa nos compositores que contribuiram para a definição de caminhos de “vanguarda” em meados do século. Entre os seus discípulos contam-se nomes como os de Anton Webern e Alban Berg (as outras duas centrais da segunda escola vienense) e, mais tarde, John Cage. Em início de carreira, Schoenberg foi admirado por conterrâneos como Richard Strauss e Gustav Mahler, mas apenas este último o acompanhou até ao fim apesar de, a partir de certa altura, reconhecer que as suas músicas seguiam por caminhos bem diversos.

As origens da obra de Schoenberg assentam numa série de ensinamentos e ideais característicos da música alemã em finais do século XIX. E o sexteto Verklärte Nacht traduz não apenas sinais de inquietude de quem experimentava primeiros olhares além do horizonte, mas igualmente as marcas do pós-romantismo alemão, nomeadamente traduzindo a presença de Brahms e Wagner. A obra é um sexteto para cordas em apenas um andamento, dividido em segmentos que correspondem às cinco estrofes do poema homónimo de Richard Dehmel. Schoenberg fez uma versão para orquestra de cordas em 1971 e uma revisão da partitura em 1943 (na qual o compositor traduz a sua experiência como maestro). Ao longo dos anos esta música tem servido de “banda sonora” a várias produções de dança como, por exemplo, uma assinada por Ana Teresa de Keersmaeker, de que acima se mostra uma imagem.



Imagens de parte da interpretação de Verklärte Nacht, de Schoenberg, captadas ao vivo durante um concerto no Festival Internacional de Música de Câmara de Zagreb, em 2007.