Farrah Fawcett deixou muitos testemunhos filmados sobre a sua luta contra o cancro — este texto foi publicado no Diário de Notícias (3 de Julho), com o título 'A tragédia de Farrah Fawcett'.
Na madrugada de sábado [27 de Junho], a TVI evocou Farrah Fawcett (falecida três dias antes), através de Farrah Fawcett – O Filme de um Anjo. Chama-se no original Farrah’s Story e nasceu da vontade expressa da actriz que, ao longo dos seus três anos finais, quis que uma amiga, Alana Stewart, fosse registando a sua luta contra o cancro, em particular os sucessivos tratamentos na Alemanha. Esse material foi montado com entrevistas a pessoas próximas, incluindo Ryan O’Neal, companheiro de muitos anos, e Kate Jackson e Jaclyn Smith, coprotagonistas da série Os Anjos de Charlie, tendo sido transmitido nos EUA, pela NBC, a 15 de Maio. Na altura, o próprio Ryan O’Neal, em entrevista à Entertainment Weekly, revelou que continuavam a filmar, encarando a hipótese de fazer uma segunda parte do documentário.
A TVI nada adiantou sobre esta génese (mesmo se é verdade que o filme, de alguma maneira, a esclarece). É pena, sobretudo, que se abram debates a pretexto de cada soluço do primeiro-ministro ou da mais recente banalidade proferida por Cristiano Ronaldo, e que um objecto tão singular como Farrah’s Story passe sem qualquer enquadramento construtivo e pedagógico. Quanto mais não seja porque a decisão de Farrah Fawcett continuar os tratamentos, ainda que pessoal e legítima, não pode deixar de suscitar pertinentes questões deontológicas sobre o decisão de prolongar (ou cancelar) algumas abordagens médicas de cancros terminais.
Farrah’s Story possui os limites próprios de um produto televisivo formatado. Seja como for, a sua vontade de lidar com a iminência da morte aproxima-o, no plano temático, de experiências extremas da história do cinema como Lightning Over Water (1980), de Wim Wenders, sobre os meses finais do cineasta Nicholas Ray, e Near Death (1989), de Frederick Wiseman, sobre um hospital de Boston para doentes terminais. Ao expor a sua tragédia privada, Farrah Fawcett caíu na armadilha televisiva que “obriga” as vedetas a assumir um discurso confessional; ao mesmo tempo, fê-lo com a energia paradoxal de quem nunca se cansou de denunciar a informação “tablóide” e o seu continuado desrespeito pela dignidade humana.
Na madrugada de sábado [27 de Junho], a TVI evocou Farrah Fawcett (falecida três dias antes), através de Farrah Fawcett – O Filme de um Anjo. Chama-se no original Farrah’s Story e nasceu da vontade expressa da actriz que, ao longo dos seus três anos finais, quis que uma amiga, Alana Stewart, fosse registando a sua luta contra o cancro, em particular os sucessivos tratamentos na Alemanha. Esse material foi montado com entrevistas a pessoas próximas, incluindo Ryan O’Neal, companheiro de muitos anos, e Kate Jackson e Jaclyn Smith, coprotagonistas da série Os Anjos de Charlie, tendo sido transmitido nos EUA, pela NBC, a 15 de Maio. Na altura, o próprio Ryan O’Neal, em entrevista à Entertainment Weekly, revelou que continuavam a filmar, encarando a hipótese de fazer uma segunda parte do documentário.
A TVI nada adiantou sobre esta génese (mesmo se é verdade que o filme, de alguma maneira, a esclarece). É pena, sobretudo, que se abram debates a pretexto de cada soluço do primeiro-ministro ou da mais recente banalidade proferida por Cristiano Ronaldo, e que um objecto tão singular como Farrah’s Story passe sem qualquer enquadramento construtivo e pedagógico. Quanto mais não seja porque a decisão de Farrah Fawcett continuar os tratamentos, ainda que pessoal e legítima, não pode deixar de suscitar pertinentes questões deontológicas sobre o decisão de prolongar (ou cancelar) algumas abordagens médicas de cancros terminais.
Farrah’s Story possui os limites próprios de um produto televisivo formatado. Seja como for, a sua vontade de lidar com a iminência da morte aproxima-o, no plano temático, de experiências extremas da história do cinema como Lightning Over Water (1980), de Wim Wenders, sobre os meses finais do cineasta Nicholas Ray, e Near Death (1989), de Frederick Wiseman, sobre um hospital de Boston para doentes terminais. Ao expor a sua tragédia privada, Farrah Fawcett caíu na armadilha televisiva que “obriga” as vedetas a assumir um discurso confessional; ao mesmo tempo, fê-lo com a energia paradoxal de quem nunca se cansou de denunciar a informação “tablóide” e o seu continuado desrespeito pela dignidade humana.