Muito antes do triunfo do conceito de globalização, o planeta Terra uniu-se para assistir à primeira visita humana à Lua — este texto foi publicado no Diário de Notícias (18 de Julho), com o título 'Uma aventura global vivida em câmara lenta'.
A 22 de Novembro de 1963, a televisão fez-nos saber da morte de John Kennedy e o mundo deixou de ser plano e transparente. No mês de Maio de 1968, estranhas imagens de Paris faziam-nos sentir que a juventude, como ideia e como projecto, nunca mais seria a mesma: nem a nossa, nem a das gerações seguintes. A 20 de Julho de 1969, na sua agitação acumulada ao longo de uma década de todas as euforias e todas as tragédias, o mundo parou: andava um homem na Lua.
Dizer que o mundo parou não é uma mera figura de retórica. Acima de tudo, nada tem a ver com a facilidade automática com que podemos ir ao YouTube buscar as imagens épicas de Neil Armstrong. De facto, hoje em dia, não nos limitamos a aceder rapidamente às imagens, rapidamente as consumindo e... passando à frente. O passeio de Armstrong na superfície lunar não pode ser reduzido àqueles minutos de espanto e radical silêncio. Para entender o seu impacto global (e, nessa altura, a noção de “globalização” era apenas um utopia de indecifráveis contornos), é preciso ter em conta também a espera da sua revelação e a lentidão do seu consumo.
Na linguagem corrente da época, dizia-se mesmo que o astronauta parecia mover-se e caminhar em câmara lenta. No seu sentido mais profundo, isso significava que Armstrong se assemelhava a uma personagem de filme, glorioso e universal na sua aventura. E não era caso para menos. Afinal de contas, importa recordar também que, um ano antes, ainda sob o perturbante efeito das imagens das barricadas de Paris, Stanley Kubrick, um americano a trabalhar em Londres, oferecera ao mundo a cartilha do seu futuro. Chamava-se 2001: Odisseia no Espaço e não se limitou a mudar a história do cinema, das suas fábulas e tecnologias. Integrando a herança de muitas artes, exponenciando a imaginação das ciências, Kubrick celebrava o ser humano, já não como centro do universo, mas como uma partícula acidental de um misterioso bailado de naves, computadores e galáxias. Armstrong já estava a viver a primeira sequela.