Sabe bem, de vez em quando, encontrar um disco que se saboreie pelo simples prazer de se ouvir uma mão cheia de canções pop. E, se não der muito trabalho, que uma ou outra puxem o pezinho para a dança… É o que acontece quando escutamos True Romance, o refrescante e bem agradável álbum de estreia dos Golden Silvers. São ingleses (lembrando assim que nem toda a boa nova pop chega apenas do lado de lá do Atlântico), mais concretamente londrinos e mostram neste contagiante álbum de estreia como a soma inteligente de uma série de referências pop estival podem sublinhar o presente e não representar, necessariamente, uma proposta de baralha e volta a dar para satisfazer nostalgias de outros Verões. Por aqui passa o sentido festivo de um Fantastic Day Haircut 100, a luminosidade de um Club Tropicana dos Wham, a festa de um Felicity dos Orange Juice. Mas também o requinte de uns Roxy Music ou o apelo irresistível de uns Beach Boys… As canções são magníficas, espantosamente versáteis nas formas, seja quando nos fazem sonhar com uma pista de dança mesmo à luz do dia (como sucede ao som de True No. 9 Blues), quer quando pedem copo na mão, em fim de festa, ao som do espantoso Here Comes The King. A voz, de tom familiar, de Gwilym Gold transpira memórias de uma pop elegante, sem efeitos especiais, que protagoniza uma música que contudo não deixa de nos lembrar que vivemos num presente onde uns LCD Soundsystem, entre outros, redefinem códigos e linguagens no campeonato da produção. True Romance é perfeita banda sonora para escutar no carro, a caminho de um pedaço de areia junto ao mar. Exala aquele sabor a fuga do quotidiano que chega com o tempo quente. A escolher um álbum para o Verão de 2009, aqui está um claro primeiro candidato ao título.
Golden Silvers
“True Romance”
XL Recordings / Popstock
4 / 5
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Não é exactamente um álbum convencional, mas antes o que se anuncia como primeira mostra de canções, personagens e trama de um filme a rodar, diz-se, em 2010. Não é um disco dos Belle & Sebastian, mas conta com canções do timoneiro da banda escocesa, assim como a colaboração de elementos do grupo a até mesmo duas versões de Funny Little Frog e Act Of The Apostle, temas do álbum The Life Pursuit. God Help The Girl é, sim, uma construção narrativa criada por Stuart Murdoch, seguindo contudo uma linha pop pastoral, com tempero de nostalgia (anos 60) quanto baste e arranjos elegantes, seguindo claramente a linha que tem caracterizado a evolução do som dos Belle & Sebastian. O disco é apresentado como a primeira parte de um díptico com as sessões de uma história que se conta por canções, tomando uma personagem feminina (Eve) como protagonista. Apesar de ter primeiros pontos de inspiração em musicais de palco, a música segue os preceitos pop que têm definido o percurso de Stuart Murdoch desde a sua estreia no projecto universitário que acabou sob a forma do álbum Tigermilk, em 1996. Para esta nova aventura ouviu e escolheu novas vozes, desde as até aqui ilustre desconhecida Catherine Ireton às já rodadas presenças de Asya (Smoosh) e Neil Hannon (Divine Comedy). Centrou as canções na voz e personalidade das personagens da ficção que construiu. Todavia, escutado de fio a pavio, o disco do projecto God Help The Girl revela (além da estrutura narrativa) uma colecção de canções delicadas, bem arrumadas, pelas quais se expressa a força de uma personalidade criativa impossível de dissociar do seu restante trabalho nos Belle & Sebastian. Sombria, sedutora, murmurante e desencantada, uma pop requintada que, sem trazer qualquer grande surpresa, garante plena satisfação aos admiradores do trabalho de Stuart Murdoch.
God Help The Girl
“God Help The Girl”
Rough Trade / Popstock
4 / 5
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Chama-se Victoria Hesketh, já passou pelo concurso Pop Idol, pela formação dos Death Disco e correu pela Europa a bordo de um trio de jazz. Há menos de dois anos resolveu seguir caminho em nome próprio, adoptando como nome a mesma designação pela qual a guarda pretortiana designou o jovem que um dia seria o imperador Calígula: Little Boots. Em finais do ano passado foi um dos nomes de quem mais se falou como promessa para 2009, sobretudo depois de dominar uma votação de grandes esperanças para o ano seguinte na BBC. Hands, agora editado, confirma as expectativas de quem, em Little Boots, viu um potencial a desenvolver num segmento da pop claramente apontado a destinos mainstream, mas com capacidade em não alienar outras franjas do gosto. Apesar de alguma familiaridade com os terrenos que hoje definem a identidade de uma Kylie Minogue ou Girls Aloud (de quem assinou versões em primeiras apresentações a solo como Little Boots), a nova personalidade musical de Victoria Hesketh mostra-se mais próxima da pop atenta e ágil de uma Robyn. Hands é, de resto, um belo programa de intenções, que abre o leque de propostas desde as visões mais inventivas de um Meddle à festa pop para multidões dançantes de um Remedy. Isto sem esquecer a bênção de Phil Oakey (dos Human League), que colabora em Symmetry. Uma estreia promissora, potrtanto.
Little Boots
“Hands”
679 / Warner
3 / 5
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Rodrigo Leão teve a iniciativa (e a coragem, sublinhe-se) de deixar os Madredeus no auge da sua popularidade e criatividade. Apostou na reinvenção da sua obra num jogo de diálogos com espaços herdeiros de alguma música contemporânea (com os minimalistas europeus não muito distantes), progressivamente redescobrindo as linguagens da pop que em tempos desenvolvera como elemento da Sétima Legião. Depois de interessantes ensaios nos anos 90, encontrou o seu espaço na música em 2000, no álbum Alma Mater. Ali afirmou uma personalidade que depurava as referências várias nas quais crescera como músico, partilhando um gosto antigo pela canção com um lirismo muito próximo da escrita para o cinema (área onde, num possível futuro, o seu trabalho ainda tem muito para nos dar). Cinema deu continuidade à aventura, inscrevendo-se o novo álbum A Mãe numa mesma linha de acontecimentos. O disco mostra como, nove anos depois de Alma Mater, a música de Rodrigo Leão atingiu um requinte formal que partilha a fragilidade intuitiva da canção pop com a elegância de espaços onde o trabalho de orquestra define seguro cenário. O cartaz de vozes é novamente impressionante, envolvendo figuras de além-fronteiras como Neil Hannon (Divine Comedy), Stuart Staples (Tindersticks) ou Melingo. Há por aqui belíssimas canções. A de Neil Hannon é a cereja sobre o bolo. Vida Tão Estranha mostra para onde poderia ter evoluído a linguagem de uns Madredeus… Contudo, terminada a audição, o disco pouco mais mostra que uma segura gestão de conquistas já feitas. Falta o pequeno desafio, a surpresa ocasional. Ou seja, garante a continuidade, mas não parece, para já, querer ir muito além dos caminhos que Alma Mater e Cinema desbravaram.
Rodrigo Leão & Cinema Ensemble
“A Mãe”
Sony Music
3 / 5
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Nada contra o jazz, fique desde já claro. Mas quando músicos de outras rotas e destinos mergulham nessas águas ou suas periferias, parece que o fazem na tentativa de abrir uma porta que revitalize eventuais percursos descendentes. Há muito que Iggy Pop não edita um álbum claramente marcante. Apesar da boa forma em palco (e de algumas revisões recentes ao seu passado mais remoto) os últimos títulos seus realmente significativos - Brick By Brick (1990) e American Caesar (1993) - datam de inícios dos anos 90… Em Préliminaries não apresenta propriamente um disco de jazz, mas antes um piscar de olho a terrenos jazzy, com elegância e sentido gourmet na selecção que inclui alguns standards da canção francesa, nomeadamente o ultra-clássico Les Feuilles Mortes, citando figuras como Yves Montand e Edith Piaf… Convenhamos que se mostra aqui com um sentido de elegância (que a sua voz profunda permite gerir com segurança). Na verdade, o que falha em Prèliminaires não é uma qualquer sensação de termos perante nós um peixe fora de água. Convocar heranças de Paris e de New Orleans é jogo que até faz sentido numa obra mais versátil que o que muitos possam conhecer. O que falta ao disco é, além de um corpo de canções realmente convincente, o sentido de entusiasmo que supostamente se espera em território de aventura fora das fronteiras habituais… Missão cumprida, é certo. Mas mais ao jeito de picar ao ponto que com real encanto.
Iggy Pop
“Prèliminaires”
Virgin / EMI
2 / 5
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Também esta semana:
Tortoise, Duran Duran (reedições + DVD), Jeff Buckley, Frankmuzik, Peter Hammil, Gossip, Dirty Projectors, Moby
Brevemente:
6 de Julho: Bombay Bycicle Club, Nick Lowe, Florence and The Machine, David Bowie (VH-1), The Marvelettes
13 de Julho: Dan Black, Paul Weller, VV Brown, Thomas Dolby (reedições)
20 de Julho: Riceboy Sleeps, Stephen Sondheim, Bill Frisell, Fiery Furnaces,
Julho: Chris Garneau, Cass McCombs, A-ha
Agosto: Arctic Monkeys, Julian Plenti, Dolores O’Riordan, Stone Roses (Collectors Edition), Modest Mouse