Estará a nascer um novo registo, a meio caminho entre documentário e burlesco? O filme Brüno é um bom exemplo de tais potencialidades -- este texto foi publicado no Diário de Notícias (9 de Julho), com o título 'Ser ou não ser feliz'.
A proliferação de efeitos especiais nos filmes levou muito boa gente a decretar, nem que fosse por ironia e provocação, a morte dos actores: se passou a ser possível “fabricar” qualquer corpo (ou voz) por meios técnicos, para quê perder tempo (e dinheiro) com os caprichos de gente de carne e osso? Colocada assim, a questão é anedótica. Em todo o caso, remete-nos para uma conjuntura em que os parâmetros do trabalho dos actores mudaram de forma muito sensível. Não por causa de uma evolução meramente cinematográfica, mas sim através da contaminação da televisão e, em particular, da “reality TV”, com as suas “estrelas” tão instantâneas quanto efémeras.
O inglês Sacha Baron Cohen (n. 1971) foi um dos primeiros a compreender tal evolução. De tal modo que fez o filme Borat (2006), com realização de Larry Charles, como uma espécie de colagem perversa ao “espontaneísmo” da televisão e às regras dos “apanhados”. Para além do seu valor sintomático, os resultados talvez não pudessem deixar de ser um “fingimento” televisivo alicerçado num menosprezo militante pelo factor humano, utilizando o cinema como mero veículo de difusão.
Algo mudou com Brüno (de novo com a cumplicidade de Larry Charles). E não apenas porque Sacha Baron Cohen decide, desta vez, lidar com uma personagem que, além de ser um apresentador gay da televisão austríaca, atrai todo o género de clichés mediáticos e morais em torno da homossexualidade. Também porque Brüno é uma verdadeira comédia ou, pelo menos, um objecto em que as marcas dos “apanhados” se vão esbatendo para privilegiar um registo a meio caminho entre o documentário e o burlesco, porventura abrindo hipóteses para um novo género cinematográfico. Tudo isto, importa dizê-lo, valorizando o imenso talento de actor (e não apenas de entertainer televisivo) que distingue Sacha Baron Cohen.
Muitas polémicas (?) em torno de Brüno vão centrar-se numa dicotomia simplista e, no limite, paternalista. A saber: será que o filme “respeita” ou “desrespeita” os homossexuais? De facto, essa será uma mera manobra de diversão, já que o alvo preferencial do filme são os preconceitos dos heterossexuais. Nesse aspecto, Brüno acerta em cheio e resulta um feliz acontecimento.