Com Salazar, A Vida Privada, de Jorge Queiroga, o cinema volta a dissipar-se na retórica televisiva. Estamos, afinal, perante mais um sintoma da normalização imposta pelo triunfo social, estético e económico do dispositivo televisivo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (30 de Abril).
A noção de que a personagem de António Oliveira Salazar possui uma dimensão afectiva (e, mais do que isso, sexual) é uma boa ideia dramática. É, pelo menos, diferente de muitas visões maniqueístas promovidas à direita e à esquerda e, por certo, mais interessante do que fazer concursos para eleger os “grandes” portugueses. Resta saber o que fazer com isso.
A noção de que a personagem de António Oliveira Salazar possui uma dimensão afectiva (e, mais do que isso, sexual) é uma boa ideia dramática. É, pelo menos, diferente de muitas visões maniqueístas promovidas à direita e à esquerda e, por certo, mais interessante do que fazer concursos para eleger os “grandes” portugueses. Resta saber o que fazer com isso.
No caso de Salazar, A Vida Privada, prevalece uma única ideia: a de que Salazar é uma boa personagem de telenovela. Diogo Morgado assim o interpreta, tanto mais que é filmado como um estereótipo (incluindo as elipses “eróticas” da ficção televisiva), deitando-se fora qualquer desejo de lidar com a complexidade factual e simbólica da história. O resultado é penoso, não porque seja apologético ou branqueador, apenas porque se esgota nos automatismos técnicos e narrativos em que se instalou a maior parte do novo telecinema português que aqui se exprime. Além do mais, representar o envelhecimento de Salazar através de uma caracterização física involuntariamente anedótica é uma provação de que nem o mais genial actor conseguiria sair incólume.