E começou a terceira temporada de Os Contemporâneos (RTP1). Retomando as linhas de força do seu trabalho, a série continua a ser um espelho cruel da nossa vida colectiva — afinal de contas, para o melhor e sobretudo para o pior, as fronteiras da nossa realidade são também as fronteiras definidas pelo espaço televisivo e Os Contemporâneos funciona, não como uma colagem de "caricaturas", mas sim como uma máquina de devoração da própria televisão.
Daí o efeito quase alucinatório daquilo que nos é dado ver, por exemplo através do surrealismo das entrevistas de rua conduzidas por Bruno Nogueira. Extrapolando os dispositivos correntes da televisão — a reportagem, o inquérito de rua, a ficção histórica (com a metódica e implacável decomposição simbólica da representação de Salazar em A Vida Privada de Salazar) — Os Contemporâneos geraram um fascinante jogo de espelhos. Porquê? Porque a lógica daquilo que encenam é, até certo ponto, igual à lógica da monstruosidade televisiva que todos os dias nos massacra. Desde logo, com uma diferença crucial: aqui, a arrogância e o determinismo do dispositivo televisivo surgem reduzidos à sua condição de impostura letal. Esta é, por isso, uma série conduzida por um violento desespero — como é possível que a televisão tenha feito isto ao nosso mundo? Que, apesar disso, e através disso, o humor resista, eis o milagre que se renova.