Recentemente falecido, Vasco Granja foi uma personalidade emblemática de uma outra televisão, ou melhor, de outros modos de entender a televisão e a sua relação com o(s) público(s) — este texto foi publicado no Diário de Notícias (8 de Maio).
Com a morte de Vasco Granja (segunda-feira, dia 4, contava 83 anos), desapareceu uma figura genuinamente popular da televisão portuguesa, ou melhor, da RTP. De facto, com o seu programa Cinema de Animação, emitido durante 16 anos a partir de 1974, Granja foi um símbolo exemplar de uma televisão estatal, anterior à abertura do espaço mediático à iniciativa privada.
Gostaria de não favorecer aquela espécie de nostalgia paternalista que, face às pessoas reformadas ou falecidas, as celebra como protagonistas de um tempo utópico e irrecuperável. Nada disso. Vasco Granja foi, acima de tudo, um divulgador daquilo que mais gostava (os desenhos animados e a banda desenhada) e conseguiu uma proeza que, em qualquer contexto, merece respeito: a de iniciar espectadores jovens, de uma ou duas gerações, nas peculiaridades do mundo do cinema.
Gostaria, sobretudo, de suscitar a vossa reflexão sobre aquilo que fomos perdendo e que, infelizmente, está muito para além do caso particular de Vasco Granja. Ele foi um dos derradeiros protagonistas de um tempo em que a televisão não tinha medo de duas coisas: desde logo, a genuína personalização de alguns dos seus programas; depois, e através dessa personalização, uma abertura real a domínios que não são necessariamente sancionados por audiências “esmagadoras”, mas que, na realidade, podem abrir portas (e ecrãs) para novas experiências criativas.
Hoje em dia, a qualquer treinador de futebol ofendido com os “árbitros” ou a “injustiça” dos resultados é oferecido mais tempo do que alguma vez pôde desfrutar Vasco Granja e muitas personalidades que, melhor ou pior, tentaram partilhar o seu saber e o seu gosto com o espectador. Dessa perda letal, isto é, cultural, quase ninguém fala.
E peço que não baralhem o sentido das minhas palavras. Não estou a invocar nenhum tratamento de excepção para o cinema. Em boa verdade, aqui, o cinema é apenas um sintoma de um continente perdido, feito de artes, artistas e alguma procura da beleza. Ou, então, provem-me que estamos melhor com uma televisão feita de guerras futebolísticas, fait divers da política e telenovelas, telenovelas, telenovelas...