domingo, abril 19, 2009

Uma ópera americana

No início do século XX uma série de compositores norte-americanos procuravam caminhos para a criação de uma identidade musical “americana” distinta, portanto, das formas de origem europeia que, até então, haviam caracterizado muita da criação dos músicos do Novo Mundo. George Gershwin (1898-1937), que dera os primeiros passos compondo canções populares e colaborando com os espaços do teatro musical, propôs em 1924, com Rhapsody In Blue, um diálogo entre linguagens que, de certa forma, reflectia a realidade de uma cultura feita da soma das que à sua volta conviviam. Muito simplesmente, integrou sugestões do jazz numa composição clássica. Anos antes, de visita aos EUA em finais do século XIX, já Dvorák tinha sentido que um dos caminhos a tomar pela música americana passava pela procura de inspiração nas culturas negra e nativa. Gershwin integrou sugestões jazzísticas em várias outras obras posteriores a Rhapsody In Blue, aprofundando o diálogo entre formas, definindo aí a sua identidade. E, onze anos depois dessa obra marcante, apresentou outra, hoje igualmente tida como uma das referências da música norte-americana. Apresentava-a como uma ópera “negra”. Era Porgy & Bess que, com elenco integralmente constituido por cantores afro-americanos, reveleva, além do jazz, a assimilação de elementos dos blues, de espirituais e de canções de trabalho numa peça clássica de grande escala. Envolta em polémica desde cedo, criticada por muitos negros como “racista” (pela forma como retrata as personagens), tendo alguns elementos do elenco original referido em concreto a sensação de estar a vestir a pele de estereotipos, a ópera só com o tempo conquistou a o estatuto de reconhecimento com que hoje é encararda. Inegável foi, contudo, a sua popularidade desde os primeiros tempos, gerando várias produções e, acima de tudo, fazendo de Summertime (que se escuta no terceiro acto) numa das mais aclamadas canções do século XX, somando hoje milhares de versões gravadas. Muitas são também as gravações em disco da ópera. Há três anos, a Decca lançou, dirigida por John Mauceri, uma recuperação da versão original de 1935, nunca antes gravada. Nesta gravação participam as vozes de Alvy Powell, Mariquita Lister e Lester Lynch e a Nashville Symphony Orchestra.

Filho de judeus russos emigrados nos Estados Unidos, George chamava-se na verdade Jacob Gershowitz. O seu interesse pela música começou cedo. E o seu primeiro trabalho levou-o a promover canções para uma das muitas companhias de publishing da cidade. Pouco depois apresentou temas de sua auroria, obtendo um primeiro êxito em 1917 com Riatlo Ripples. Estudava já piano e cmposição e, atento às novas formas musicais e à vida da cidade de Nova Iorque, em pouco tempo revelava-se capaz de traduzir, pela sua música, o tempo e lugar onde vivia. Nos anos 20 assinou uma série de musicais de grande impacte na Broadway, estabelecendo uma parceria com o irmão Ira, letrista, que inevtiavemente manteve na hora de trabalhar em Porgy & Bess. A ideia de fazer uma ópera nasceu depois de ter livro o romance Porgy, de DuBose Heyward, um autor da Carlina do Sul. Juntos começaram a desenvolver os planos para uma ópera folk, assente na história de amor entre um negro que vive num bairro pobre de Charlston (na Carolina do Sul) e uma mulher, Bess, a amante de um violento dealer. Em 1927 uma primeira dramatização do romance chamou a atenção de muitos. E, pouco depois, Gershwin, o irmão e o casal Heyward, começavam a trabalhar. No Verão de 1934, chegaram a passar uma temporada perto de Charlston, para sentir a região... E poucos meses depois, em Setembro de 1935, a ópera estrava em Boston, antecipando a chegada à Broadway, onde a produção original teve 124 espectáculos.

A produção original, de 1935 (na foto), foi o ponto de partida para uma vida que ainda hoje faz de Porgy & Bess uma fonte de acontecimentos. Sucederam-se as produções, com alguns momentos da música revistos por Gershwin. As primeiras gravações em disco datam logo do ano da estreia, todavia por cantores brancos. O elenco original chegou a disco só em 1940, quando a ópera foi reposta na Broadway. Apesar das reacções críticas de muitos músicos negros, nos anos 50 começaram a surgiu versões de canções da ópera em disco. Em 1957, Louis Armstrong e Ella Fitzgerald gravaram um álbum com canções de Porgy & Bess. Com realização de Otto Preminger, a ópera chegou ao cinema em 1959. O sucesso no grande ecrã gerou ainda mais versões, sobretudo de Summertime, que surgiu em discos de figuras como Nina Simone, John Coltrane, James Brown, os Zombies, Peter Gabriel ou Joni Mitchell. Nina Simone gravou um disco com versões de Porgy & Bess. Em 1984 os Bronski Beat esitaram em single uma versão de It Ain’t Necessairly So.



Imagens de Summertime, na adaptação ao cinema da ópera de Gershwin. A canção é hoje uma das que mais versões tem gravadas em disco.