sábado, abril 18, 2009

O futebol segundo Freud

Andy Warhol
Sigmund Freud
1980

Porque é muitos comentadores tentam "obrigar" o futebol a ser uma espécie de destino puro e imaculado? Porquê (e para quê) esta ideologia determinista? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (17 de Abril), com o título 'Complicações do futebol'.

O lapso, ensinou-nos Freud, é um erro que transporta verdade. Nessa medida, funciona como um falar “mal” que acaba por esclarecer aquilo que o falante não sabe, não quer ou resiste a dizer. Assim foi, no sábado, dia 11, nos comentários ao jogo de futebol Inter-Palermo (Sport TV).
O Inter fez uma magnífica primeira parte, acabando a vencer por 2-0. Mas, no segundo tempo, em apenas dois minutos, o Palermo conseguiu o empate (2-2) com que o jogo terminaria. Ora, como é que o comentador (cujo nome, peço desculpa, não registei) reagiu a esta situação? Pois bem, dizendo que o inesperado desenvolvimento era “óptimo” para o espectador, mas “complicado” para o comentador...
Que significa isto? Três coisas muito tristes: primeiro, que o comentador não se vê como um espectador (não tirando prazer daquilo que o comum dos mortais vai fruindo sem complexos); segundo, que se imagina na obrigação de antecipar os acontecimentos (daí a “complicação” da sua tarefa); enfim, que concebe o futebol como a concretização de uma série de acções redutíveis a um discurso lógico (quando a dita lógica é contrariada, mesmo que o espectador possa estar deliciado com o jogo, ele... não sabe o que fazer).
Não admira que 90 por cento dos comentários que se ouvem nas televisões insistam em classificar os resultados como “justos” ou “injustos” (com muitos treinadores e jogadores a fazer eco do mesmo simplismo). De facto, este é um discurso completamente alheio ao arbitrário que qualquer desporto envolve, obcecado pela ideia (?) de que as bolas só devem entrar na baliza para sancionar um destino exemplar. Caso contrário, tudo se explica por... “falhas de marcação”! Ah, não seria perfeito o futebol sem falhas de marcação? Todos os jogos acabavam num glorioso zero a zero.
Tenho a certeza que tudo isto é dito com grande dedicação e honestidade profissional. O certo é que, assim, reduz-se o futebol a uma tragédia em potência (não é a justiça, por excelência, um tema trágico?), inculcando-se uma visão moralista do jogo. Qual é o problema de uma equipa jogar pessimamente e ganhar um jogo? Em nome da “injustiça” do resultado vamos defender o quê? Que se repita o jogo? Que se invada o campo?