Lançado no ano heróico de 1939, O Feiticeiro de Oz é um dos títulos exemplares da idade de ouro de Hollywood — e também uma das efemérides incontornáveis de 2009. Este texto foi publicado na mais recente edição da revista Egoísta ("Sonho", nº 38), com o título 'Gotas de limão'.
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A transposição cinematográfica do livro de L. Frank Baum (publicado em 1900, com desenhos de W. W. Denslow), dirigida por Victor Fleming, entrou para a história como a cristalização exemplar de um desejo de evasão de que, na altura, o cinema era o símbolo único e fascinante. Este era, de facto, um contexto sem televisão e sem Internet, quer dizer, um tempo em que se entrava numa sala de cinema para vogar numa paisagem de que cada filme existia, de uma só vez, como promessa de um mundo alternativo e guia colectivo da sua sempre imprevisível travessia.
Iludidos pela facilidade de acesso à “informação”, os espectadores de hoje não sabem imaginar o que seria ir ao cinema, em 1939, e seguir a aventura da pequena Dorothy que, com o cão Toto, descobre que as traseiras da sua quinta no Kansas dão para inusitados territórios. Está tudo dito nessa maravilhosa linha de diálogo que adquiriu estatuto lendário: “Toto, tenho um pressentimento que já não estamos no Kansas.”
Em boa verdade, O Feiticeiro de Oz constitui uma das apoteoses dramáticas de um princípio gratificante que as fábulas clássicas não podem deixar de conter: não apenas o desejo de regressar a casa, mas a possibilidade de isso acontecer. No cinema americano, o derradeiro filme genuinamente crente em tal possibilidade terá sido E.T. (1982), de Steven Spielberg. A sombra cruel de uma perda de contacto com as raízes estava desenhada desde o filme fragmentário de Nicholas Ray, We Can’t Go Home Again, obra encerrada e remontada desde as suas primeiras projecções, em 1972, até à morte do realizador, em 1979. Hoje em dia, as aventuras de regresso às origens obedecem à beleza terrível de Matrix (1999): o sonho está lá ou estão, pelo menos, os computadores que nos impõem o sonho, mas já não há casa à qual se possa regressar.
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A transposição cinematográfica do livro de L. Frank Baum (publicado em 1900, com desenhos de W. W. Denslow), dirigida por Victor Fleming, entrou para a história como a cristalização exemplar de um desejo de evasão de que, na altura, o cinema era o símbolo único e fascinante. Este era, de facto, um contexto sem televisão e sem Internet, quer dizer, um tempo em que se entrava numa sala de cinema para vogar numa paisagem de que cada filme existia, de uma só vez, como promessa de um mundo alternativo e guia colectivo da sua sempre imprevisível travessia.
Iludidos pela facilidade de acesso à “informação”, os espectadores de hoje não sabem imaginar o que seria ir ao cinema, em 1939, e seguir a aventura da pequena Dorothy que, com o cão Toto, descobre que as traseiras da sua quinta no Kansas dão para inusitados territórios. Está tudo dito nessa maravilhosa linha de diálogo que adquiriu estatuto lendário: “Toto, tenho um pressentimento que já não estamos no Kansas.”
Em boa verdade, O Feiticeiro de Oz constitui uma das apoteoses dramáticas de um princípio gratificante que as fábulas clássicas não podem deixar de conter: não apenas o desejo de regressar a casa, mas a possibilidade de isso acontecer. No cinema americano, o derradeiro filme genuinamente crente em tal possibilidade terá sido E.T. (1982), de Steven Spielberg. A sombra cruel de uma perda de contacto com as raízes estava desenhada desde o filme fragmentário de Nicholas Ray, We Can’t Go Home Again, obra encerrada e remontada desde as suas primeiras projecções, em 1972, até à morte do realizador, em 1979. Hoje em dia, as aventuras de regresso às origens obedecem à beleza terrível de Matrix (1999): o sonho está lá ou estão, pelo menos, os computadores que nos impõem o sonho, mas já não há casa à qual se possa regressar.
[continua]