Em tempos, quando era guitarrista dos Six Finger Sattelite, Juan MacLean chamou para trabalhar consigo um promissor engenheiro de som. A banda separou-se e MacLean seguiu um caminho universitário que em nada indiciava um reencontro profissional com a música. Chegou mesmo a ensinar inglês. Até que o velho parceiro de estrada e estúdio, que entretanto se mudara para Nova Iorque e abrira uma editora o desafiou a trabalhar com novos equipamentos electrónicos. O engenheiro de som, entretanto transformado em editor, chamava-se James Murphy (e a sua editora, a DFA). E foi assim que, aos poucos, a música de Juan MacLean se transformou em parte do acervo de uma das mais activas e consequentes editoras da presente década. Começou por levar temas a compilações. E, em 2005, estreava-se em álbum com o muito promissor Less Than Human. Quatro anos depois, a promessa confirma as expectativas em The Future Will Come, álbum que reflecte sobre uma linguagem que parte do diálogo da pop electrónica com formas da música de dança. E que mostra como a assimilação da memória pode ser um bom ponto de partida para inventar um presente com sabor a futuro. Dotado de um sagaz sentido de humor (e de sóbria capacidade de reconecimento de quão limitadas são as auto-proclamadas revoluções), The Future Will Come não é propriamente um oráculo de visões, antes uma reflexão, quase 30 anos depois, dos sonhos futuristas da geração que então inventou a pop electrónica. MacLean toma os Human League (da fase Dare) como ponto de partida para evocações de linhas e formas das quais faz brotar uma música liberta do peso da “nostalgia”, antes usando o passado que revisita como matéria prima para escrever uma música cuja catalogação (apesar das referências óbvias) consegue escapar ao tempo. As referências ao universo dos Human League são evidentes, desde a dinâmica vocal masculino/feminino ao que parece uma citação à melodia e clima de Being Boiled em No Time. Mas a carteira de visitas não se esgota aqui. Há space disco, há teclas que lembram os dias da house de finais de 80 e inícios de 90, bleeps que evocam folias acid house... Formalmente, The Future Will Come é um parente próximo do magnífico álbum de estreia do colectivo (da mesma editora) Hercules & Love Affair, juntos contribuindo para construção de novas visões para uma música electrónica, com essência pop e alma dançante, que atenta a genéticas de finais de 70 e inícios de 80 para nos fazer lembrar quão desafiante continua a ser a vontade de sonhar um futuro. Sem a necessidade de convocar um programa escapista, um bálsamo em tempo de crise, portanto.
The Juan McLean
“The Future Will Come”
DFA/Popstock
4/5
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A música dos canadianos Metric foi, para muitos “a” grande descoberta proporcionada pelo filme Clean (2004), de Oliver Assayas, onde a banda era mostrada em actuações, contribuindo também para a banda sonora. O impacte do filme deu ao segundo álbum da banda, Old World Underground, Where Are You Now?, a janela de atenção que as suas canções (entre as quais o fabuloso Combat Baby) de facto pediam. Em tempo de foco de atenções sobre o Canadá indie rock, os Metric ganharam exposição, garantindo outra atenção para o sucessor, Live It Out (2005) e para o álbum a solo da vocalista Emily Haines que se segiu, em 2006. Fantasies marca o regresso da banda, num disco através do qual mostram uma vontade de reencontrar o caminho onde o melodismo dos momentos mais pop do álbum de 2003 os deixara. Fantasies é um disco de caminhos bem definidos e formas claras, propondo uma pop musculada, onde as guitarras suportam a energia, os teclados acrescentam cor e a secção rítmica convida à dança. Canções como Help Me I’m Alive ou Gimmie Sympathy são exemplos de uma visão pop que vive de heranças directas dos prontuários da new wave (com os Blondie como inevitável eco distante). O álbum contudo mostra um leque de acção mais vasto no cabaz de referências, amplificando, sem contrariar, a essência new wave dos acontecimentos. Uma pitada de disssonância ao jeito das Breeders garante que se instale a sensação de monotonia que tem assombrado muitos dos discos recentes de bandas que têm no grande livro de memórias do pós-punk a sua principal matéria prima.
Metric
“Fantasies”
Metric Productions/Popstock
3 / 5
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O título do álbum sugere o peso de alguma pompa, mas a grande extensão (que se adivinha) da digrerssão mundial que se segue, assim como o aproximar das celebrações dos 30 anos de vida dos Depeche Mode podem justificar a opção... Sounds Of The Universe é um disco tenso (mas nem por isso necessariamente intenso), o tom sombrio dos ambientes na verdade sugerindo mais um elaborado trabalho cénico que um investimento de semelhante calibre na escrita e composição. De facto, há por aqui mais de “novo” na forma que no conteúdo, as canções raramente escapando a destinos narrativos e imagens já usadas vezes sem conta em vários discos da obra da banda posterior a 1986. No som, contudo, sentem-se marcas de investimento na procura de uma partida face aos últimos álbuns, revelando desejos de desafio estético em busca de mudança como não se ouvia desde as assimilações da cultura americana em Songs Of Faith and Devotion. Abundam as electrónicas menos polidas, frequentemente reencontrando um maior minimalismo e até registos de som que faziam a lei nos seus discos em inícios de 80. Na verdade, e sem afastar do estúdio as guitarras e outras presenças pós-90, este é o álbum mais “electrónico” do grupo desde Violator. E, enquanto trabalho de concepção sonora, o mais surpreendente que nos dão desde a saída de Alan Wilder. Mas apesar de incluir momentos de excepção como o são Peace, Fragile Tension ou o surpreendente instrumental (de perfil muzak) Spacewalker, o disco mostra sinais de alguma dieta de ideias na composição das canções.
Depeche Mode
“Sounds Of The Universe”
Mute/EMI Music Portugal
3 / 5
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Brendon Anderegg e Koen Holtkamp respondem como Mountains na hora de se apresentar como músicos. E Choral, o álbum através do qual assinalam a sua estreia para a Thrill Jockey, dá razão ao nome que escolheram para se dar a conhecer como criadores de paisagens sonoras. Não os tomemos por paisagistas, nem descendentes de uma lógica narrativa que fez escola junto de alguns compositores no século XIX. Porém, as visões que nos propõem no ciclo de temas que revelam em Choral sugerem pontos de fuga para lá do buliço urbano em contemplação tranquila, silenciosa, mas nem por isso desértica. O álbum lança-nos através de seis momentos onde se revelam caminhos traçados por electrónicas, instrumentos acústicos e sons ocasionais que acrescentam texturas a acontecimentos que, lentamente, evoluem e revelam formas. A identidade “essencialmente” ambiental desta música já lhes valeu comparações a Brian Eno. Porém, ao perfeccionismo do meticuloso trabalho de estúdio de Eno, que pode até ter constituído um motivo de reflexão, os Mountains respondem com uma música simples e, ao que parece, registada como se tocada ao vivo. Entre drones e ténues sugestões de melodia, Choral nasceu em espaço caseiro (em Brooklyn). Uma experiência interessante, que assimilou (e transformou já) sugestões do minimalismo, buscando sons que vivem entre o silêncio.
Mountains
“Choral”
Thrill Jockey / Dwitza
3 / 5
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Há três anos, o colectivo escocês Camera Obscura fazia de uma citação a Lloyd Cole (em concreto, Lloyd Are You Ready To Be Heartbroken) o aperitivo para a descoberta do álbum Let’s Get Out Of This Country, o seu terceiro disco. O sucessor, My Maudlin Career, primeiro álbum que lançam através do catálogo da 4AD, continua a história precisamente onde o anterior a deixou, as diferenças maiores revelando-se apenas na busca de um sentido de arte final mais polida, clara e arrumada. Em tudo o grupo mantém-se fiel a uma identidade pop romântica, retro nas formas convocadas, escutando heranças várias, repensando-as num contexto pop/folk que pisca ostensivamente o olho a escolas suecas, ou não tivesse novamente em estúdio a presença de Jari Happalainen que, convenhamos, atingiu com o grupo escocês, resultados bem mais interessantes (e reconhecidos) que com os seus compatriotas The Concretes. Pequenas histórias do quotidiano e relatos de romances, feitos de palavras simples e claras, habitam canções ora solarengas ora melancólicas, frequentemente evocando modelos da canção pop de 60, sem esquecer o universo das girl bands e o grande livro de referência da escola Motown. Para quem gostou do álbum anterior, portanto.
Camera Obscura
“My Maudlin Career”
4AD / Popstock
3 / 5
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Também esta semana:
Big Pink, Art Brut, Tortoise, Jane’s Addiction, Wilco (DVD), Dukes Of Stratosphere (reedições), Björk (DVD), Noisettes, Handsome Family, Richard Swift, Miss Kittin, Booker T
Brevemente:
27 de Abril: Bob Dylan, Os Golpes, Bell Orchestre, Morrissey (reedição), Maximilian Hecker, B Fachada, Tiga, Golden Silvers
4 de Maio: Conor Oberst, Fischerspooner, Manic Street Preachers, Maccabees, Thomas Dolby (best of), St. Vincent, Kronos Quartet, Miss Kittin + The Hacker, Sigur Rós (reedição), Lhasa
11 de Maio: Philip Glass, Graham Coxon, Maximo Park, Green Day, St Etienne (reedições), Kevin Saunderson, Laurent Garnier
Maio: Grizzly Bear, John Vanderslice, VV Brown, Maximo Park, Tori Amos, Iggy Pop, Phoenix
Junho: Patrick Wolf, Eels, Iggy Pop, Jeff Buckley, Sonic Youth, Tortoise, Little Boots, Duran Duran (reedições + DVD)
PS. A crítica aos Depeche Mode é uma versão editada de um texto publicado na revista NS