sábado, março 14, 2009

TV no feminino

O canal Arte deu um recente exemplo de como é possível tratar um grande tema, escapando metodicamente aos lugares-comuns que o podem envolver — este texto foi publicado no Diário de Notícias (13 de Março), com o título 'Questões de mulheres'.

O Dia Internacional da Mulher (8 de Março) justificou uma programação especial no canal franco-alemão Arte. Assim, o passado fim de semana foi totalmente dedicado a temas femininos, incluindo: uma edição do programa de actualidades Court-circuit com particular incidência no Festival de Cinema de Créteil (dedicado às mulheres); outro espaço regular, Metropolis, com uma evocação da actriz alemão Hildegard Knef e entrevistas sobre “o que preocupa as mulheres”, com Rania Al Abdullah, Rainha da Jordânia, a cantora francesa Patricia Kaas e a escritora alemã Christa Wolf; um documentário, Ingres Erótico, sobre a representação das mulheres na obra do pintor; um filme-inquérito, A Lua em Mim, sobre a menstruação e o modo como é encarada em diferentes contextos e culturas; enfim, um retrato de Eva Joly [na imagem, ao centro], juíza francesa de origem norueguesa que ganhou notoriedade pelo seu trabalho na desmontagem de grandes crimes financeiros.
A noite do próprio dia 8 foi preenchida com três longas-metragens: Uma Questão de Mulheres, com Isabelle Huppert, drama da França de Vichy assinado por Claude Chabrol (estreado entre nós); o já citado A Lua em Mim; e ainda Por Amor de Sandeep, documentário autobiográfico da australiana Poppy Stockwell sobre a sua relação amorosa com uma jovem de origem indiana.
Não é todos os dias que se pode assistir a uma abordagem tão aberta e multifacetada de uma temática tão universal. Por vezes, no nosso contexto português, nem que seja por indiferença, quase parece que as representações dominantes das mulheres só podem oscilar entre dois extremos: ou são austeras militantes políticas, ou bailarinas de striptease... Estou a caricaturar, ma non troppo.
O exemplo do canal Arte deixa uma renovada lição: fazer “debates” com cinco (ou cinquenta) pessoas a prati-carem a arte de se interromperem umas às outras não é a maneira mais inteligente de lidar com a complexidade das coisas. Pode ser mesmo uma desculpa muito preguiçosa, tendencialmente demagó-gica, para promover o mais triste populismo televisivo. A esse propósito, vale a pena referir que este dossier Mulher se inseriu numa zona de programação com um belo título: “Compreender o mundo”.