Em média, o espectador português vai ao cinema menos de duas vezes por ano. Que dizer, então, do facto de, só no mês de Abril, estar prevista a estreia de 39 filmes? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (15 de Março), com o título 'A morte lenta da cinefilia'.
Na próxima quinta-feira, dia 19, vão ser estrea-dos dez filmes nas salas de cinema portuguesas. E há um pouco de tudo. Por exemplo: a primeira parte de Che, o notável épico intimista sobre Che Guevara, com assinatura de Steven Soderbergh; O Canto dos Pássaros, parábola poética sobre a viagem dos Reis Magos, de Albert Serra (o cineasta espanhol de quem já conhecemos a versão de Dom Quixote, Honra de Cavalaria); A Corte do Norte, de João Botelho, brilhante adaptação do romance de Agustina Bessa-Luís; The Spirit, de Frank Miller, reinventando a banda desenhada de Will Eisner; e ainda Jonas Brothers: o Concerto em 3D, tentativa de rentabilizar a popularidade desta banda juvenil, acrescentando-lhe o recurso técnico das três dimensões.Esta pluralidade não pode deixar de ser tomada como um sinal positivo: a diversidade da oferta é sempre um factor determinante na vitalidade de qualquer mercado cinematográfico. Mas importa recuar um pouco e avaliar os sintomas de “crescimento” que aqui podemos detectar. Isto porque estamos a falar de uma conjuntura em que a abundância da oferta pode também corresponder a uma sobrecarga que a procura dos espectadores não tem condições para acompanhar (até porque tudo isto acontece a par de um cada vez mais curto tempo médio de permanência dos filmes nas salas).
Repare-se no que vai acontecer nas próximas semanas. Assim, para o dia 26, estão anunciadas mais nove títulos em estreia. Depois, nas cinco quintas-feiras (2, 9, 16, 23 e 30) de Abril, o ritmo de lançamentos continua altíssimo, prevendo-se a chegada ao mercado de 39 novos filmes. A diversidade continua a ser estimulante, desde Monstros vs. Aliens, nova animação dos estúdios DreamWorks em 3-D, até Un Conte de Noël, de Arnaud Desplechin, um dos grandes filmes do Festival de Cannes de 2008.A dúvida que se coloca poderia ser económica: terá o espectador médio disponibilidade para acompanhar tantas novidades? Em todo o caso, os valores de crescimento do mercado transfiguram tal dúvida numa interrogação muito mais radical. A saber: estará o mercado a dar um salto “para a frente” que, em última instância, o irá ferir de morte?
Tudo isto é indissociável de uma evolução industrial e comercial em que o DVD e, mais recentemente, as plataformas televisivas de difusão criaram novas vias de acesso aos objectos cinematográficos. Na prática, assistimos a uma lenta, dramática, porventura irreversível, asfixia dos modos tradicionais de consumo do cinema. Mais do que isso: ao fim anunciado da cinefilia clássica.
Que era essa cinefilia? Era um gosto genuinamente cultural. Era um comportamento, individual e colectivo, pessoal e social, com uma relação aberta com as salas, encarando-as como uma montra imensa de possíveis descobertas (e não como uma acumulação de títulos que, na maior parte dos casos, não estarão disponíveis tempo suficiente para serem vistos).
Todos sabemos que o cinema está a viver um processo complexo de reconversão através das novas tecnologias digitais (plenas de potencialidades, não é isso que está em causa). Resta saber o que irá resultar desta banalização das salas, agora dominadas pela mais vulgar lógica de hiper-mercado: a mudança célere dos produtos nas prateleiras é mais importante que a rentabilização das suas qualidades específicas.
ESTREIAS - Eis a lista de 39 filmes anunciados para chegar às salas de cinema durante o mês de Abril — indica-se o título português, quando já existe; a referência ao país remete, em princípio, para a origem artística do projecto, não contemplando as situações de coprodução [agradecemos a sistematização feita por Jorge Mourinha]:
> 2 ABRIL
- AUTOCARRO 174 / Última Parada 174 (Brasil), de Bruno Barreto
- CHE, 2ª PARTE / Che Part Two (EUA), de Steven Soderbergh
- ELE NÃO ESTÁ ASSIM TÃO INTERESSADO / He's Just Not That Into You (EUA), de Ken Kwapis
- HOMENS DO SOUL / Soul Men (EUA), de Malcolm D. Lee
- O LAGO PERFEITO / Eden Lake (Grã-Bretanha), de James Watkins
- MONSTROS VS ALIENS / Monsters vs Aliens (EUA), de Rob Letterman e Conrad Vernon
- AS RUÍNAS / The Ruins (Austrália), de Carter Smith
- STREET FIGHTER: A LENDA DE CHUN-LI / Street Fighter: The Legend of Chun-Li (EUA), de Andrzej Bartkowiak
> 9 ABRIL
- AMAZING GRACE (Grã-Bretanha), de Michael Apted
- APPALOOSA (EUA), de Ed Harris
- CIDADE DOS HOMENS (Brasil), de Paulo Morelli
- COM OUTRA? NEM MORTA! / Over Her Dead Body (EUA), de Jeff Lowell
- CORAÇÃO DE TINTA / Inkheart (EUA), de Iain Softley
- LOUCA POR COMPRAS / Confessions of a Shopaholic (EUA), de P. J. Hogan
- PRANZO DI FERRAGOSTO (Itália), de Gianni di Gregorio
> 16 ABRIL
- HISTÓRIAS DE CAÇADEIRA / Shotgun Stories (EUA), de Jeff Nichols
- LINHA DE PASSE (Brasil), de Walter Salles e Daniela Thomas
- LOIRA AMBICIOSA / Blonde Ambition (EUA), de Scott Marshall
- MAX E COMPANHIA / Max & Co. (Suíça), de Frédéric Guillaume e Samuel Guillaume
- O REI DA CALIFÓRNIA / King of California (EUA), de Michael Cahill
- THIS IS ENGLAND (Grã-Bretanha), de Shane Meadows
- VELOZES E FURIOSOS / Fast and Furious (EUA), de Justin Lin
> 23 ABRIL
- UM AMOR DE PERDIÇÃO (Portugal), de Mário Barroso
- CORRIDA PARA A MONTANHA MÁGICA / Race to Witch Mountain (EUA), de Andy Fickman
- THE EDGE OF LOVE (Grã-Bretanha), de John Maybury
- FIREFLIES IN THE GARDEN (EU), de Dennis Lee
- KNOWING (EUA), de Alex Proyas
- A ORGANIZAÇÃO / The International (EUA), de Tom Tykwer
> 30 ABRIL
- BOTTLE SHOCK (EUA), de Randall Miller
- CASAMENTOS E INFIDELIDADES / Married Life (EUA), de Ira Sachs
- UN CONTE DE NOËL (França), de Arnaud Desplechin
- DEIXA-ME ENTRAR / Lät den Rätte Komma In (Suécia), de Tomas Alfredson
- O ELO DO AMOR / Closing the Ring (Grã-Bretanha), de Richard Attenborough
- FANBOYS (EUA), de Kyle Newman
- NEW IN TOWN (EUA), de Jonas Elmer
- OBSERVE AND REPORT (EUA), de Jody Hill
- TRAIDOR / Traitor (EUA), de Jeffrey Nachmanoff
- A VIDA PRIVADA DE SALAZAR (Portugal), de Jorge Queiroga
- X-MEN ORIGENS: WOLVERINE / X-Men Origins: Wolverine (EUA), de Gavin Hood