Autor de livros já clássicos como Mitologias (sobre os objectos e linguagens da sociedade de consumo), O Prazer do Texto (sobre as relações escrita/sujeito) ou Câmara Clara (sobre as significações da imagem fotográfica), Roland Barthes (1915-1980) é um imenso continente a que regressamos sempre como quem descobre um novo mapa para pensarmos e deixarmo-nos tentar pela liberdade de pensar.
Recentemente, quase três décadas depois do seu desaparecimento, pudemos redescobri-lo através de dois inéditos. São duas memórias "imperfeitas", no sentido em que Barthes nunca lhes conferiu o aparato formal de livros. Em todo o caso, na sua condição de desejos de livros, voltam a colocar-nos perante a arte do fragmento (lembremos que Barthes escreveu Fragmentos de um Discurso Amoroso), entendendo o fragmento como uma solução de compromisso entre a brevidade sensual da comunicação e a ambição sistemática do ensaio teórico.
* JOURNAL DE DEUIL (Éditions du Seuil) — No dia seguinte ao da morte da sua mãe, 26 de Outubro de 1977, Barthes iniciou um diário que manteve até 15 de Setembro de 1979. Ao todo, são 330 fichas que fazem o inventário metódico, obsessivo e literário do seu luto. E literário, entenda-se, porque se trata de questionar a própria possibilidade de dizer/escrever o luto, esse trabalho de "racionalização" da perda tão fortemente codificado pelos hábitos sociais. São memórias de uma intimidade também ela codificada (a designação abreviada de mam.), tecida de rituais e lugares, como quem relança a pergunta filosoficamente primordial: como continuar a escrever? Cerca de seis meses passados sobre a conclusão das fichas, Barthes falecia, a 25 de Março de 1980, na sequência de um atropelamento numa rua de Paris.
* CARNETS DU VOYAGE EN CHINE (Christian Bourgois Éditeur) — São apontamentos registados ao longo de uma viagem à China, de 11 de Abril a 4 de Maio de 1974. Acompanhado por François Wahl (editor do próprio Barthes, nas Éditions du Seuil), Philippe Sollers, Julia Kristeva e Marcelin Pleynet (da revista Tel Quel), Barthes partiu à descoberta de uma China próxima, pelas convulsões políticas que então ecoavam no Ocidente, muito distante pelas suas especificidades e enigmas. O resultado é muito diferente do que, quatro anos antes, tinha dado origem a L'Empire des Signes (sobre uma viagem ao Japão), de tal modo o enquadramento oficial da comitiva cria barreiras a contactos mais pessoais e menos limitados pelo dispositivo político e simbólico da "Grande Revolução Cultural Proletária". Sem disfarçar o tédio inerente a esses condicionalismos, Barthes acaba por recolher apontamentos preciosos sobre o trabalho de um dos seus monstros de eleição: o Estereótipo (incluindo, claro, as suas variantes marxistas). E sob a teia da Ideologia, emerge, num estranho pudor, o esplendor inacessível do Indivíduo — "Não sabemos nada, nunca saberei nada: quem é este rapaz a meu lado? Que faz ele durante o dia? Como é o seu quarto? Que pensa ele? Como é a sua vida sexual? etc. Pequeno colarinho branco e limpo, mãos finas, unhas compridas."
>>> Barthes na Wikipedia (francês + inglês).
>>> Artigo de Philippe Sollers (Tel Quel, Outono 1971) sobre Barthes.
>>> Gravações de Barthes, incluindo a lição inaugural no Collège de France (7 de Janeiro de 1977).