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O encontro com Clint Eastwood aconteceu em Paris, nos cenários acolhedores do Hotel Bristol, perto dos Campos Elíseos. Tendo em conta que muitas entrevistas “internacionais” se tornaram mini-conferências de imprensa, com seis (ou mais) jornalistas, foi simpático poder conversar durante cerca de meia hora com o autor de Gran Torino, partilhando o diálogo apenas com um colega, Ioannis Zoumboulakis ,do jornal grego To Vima. Tudo indica que esta contenção decorre de exigências do próprio Eastwood, até porque, ao contrário do que faz a grande maioria dos realizadores e actores americanos, ele não veio à Europa para dar entrevistas televisivas.
Discreto e contido nos seus 78 anos, Eastwood mostra-se também disponível para a deambulação e a ironia. A sua presença integra, sem crispação, a metódica passagem do tempo que temos vindo a descobrir nos filmes. Veste-se em tons suaves, castanhos e esver-deados, apenas os ténis, desatados e de cores mais contrastadas, contrariando a neutralidade da pose.
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Já na despedida, falamos da sua admiração por Manoel de Oliveira que conheceu, em Maio do ano passado, no Festival de Cannes. Uma das pessoas do staff da Warner recorda-se de, também em Cannes, ter ouvido a “lenda” segundo a qual Oliveira não terá 100, mas já 102 ou 103 anos. Com timing perfeito, e em tom muito carinhoso, Eastwood comenta: “Se calhar está a mentir sobre a idade, a ver se lhe servem uma bebida no bar”.
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A Malpaso deu-me a independência, precisa-mente quando eu mais precisava dela. Estava empenhado em não fazer filmes sempre do mesmo género: gostava muito dos westerns que fiz, com Sergio Leone e outros, mas queria também realizar e experimentar coisas diferentes.
Mas até mesmo em Gran Torino há uma componente de western, quanto mais não seja por causa do tema da terra e da pro-priedade.
A minha personagem, Walt Kowalski, é um homem que lutou pelo seu país e se reinstalou onde vivia. Agora, depara com uma vizinhança que já não é predominantemente de origem polaca, como ele, mas asiática, da comunidade “hmong”. O filme é sobre os seus preconceitos e a maneira como os acontecimentos o impelem a agir. Mas é também sobre este momento em que, por vezes, os mais novos se tentam livrar dos velhos, colocando-os em instituições. Claro que ele é o primeiro a reconhecer que não terá sabido es-tabelecer uma relação com os filhos. O certo é que descobre naquele obscuro grupo asiático um outro respeito pelos mais velhos. Daí que um dia se olhe no espelho e diga: “Tenho mais em comum com esta gente do que com a minha desgraçada família”. Podia ser um western. Mas é também muito contemporâneo.
[continua]