Este é o resultado de uma breve conversa com Clint Eastwood, a propósito de Gran Torino: aconteceu em Paris, no dia 24 de Fevereiro — o texto foi publicado no Diário de Notícias, a 12 de Março.
O encontro com Clint Eastwood aconteceu em Paris, nos cenários acolhedores do Hotel Bristol, perto dos Campos Elíseos. Tendo em conta que muitas entrevistas “internacionais” se tornaram mini-conferências de imprensa, com seis (ou mais) jornalistas, foi simpático poder conversar durante cerca de meia hora com o autor de Gran Torino, partilhando o diálogo apenas com um colega, Ioannis Zoumboulakis ,do jornal grego To Vima. Tudo indica que esta contenção decorre de exigências do próprio Eastwood, até porque, ao contrário do que faz a grande maioria dos realizadores e actores americanos, ele não veio à Europa para dar entrevistas televisivas.
Discreto e contido nos seus 78 anos, Eastwood mostra-se também disponível para a deambulação e a ironia. A sua presença integra, sem crispação, a metódica passagem do tempo que temos vindo a descobrir nos filmes. Veste-se em tons suaves, castanhos e esver-deados, apenas os ténis, desatados e de cores mais contrastadas, contrariando a neutralidade da pose.
Quando, num paralelismo com Gran Torino, evoco Bronco Billy (1980), crónica desencantada sobre um circo que mima as glórias do velho Oeste, é evidente a ternura que Eastwood sente por esse filme tão esquecido (e, na altura do seu lançamento, tão mal amado). Mas não há nele qualquer ressentimento. Trata-se apenas de "con-tinuar a aprender". E o seu próximo filme, The Human Factor (sobre Nelson Mandela), irá reflectir essa mesma disponibilidade.
Já na despedida, falamos da sua admiração por Manoel de Oliveira que conheceu, em Maio do ano passado, no Festival de Cannes. Uma das pessoas do staff da Warner recorda-se de, também em Cannes, ter ouvido a “lenda” segundo a qual Oliveira não terá 100, mas já 102 ou 103 anos. Com timing perfeito, e em tom muito carinhoso, Eastwood comenta: “Se calhar está a mentir sobre a idade, a ver se lhe servem uma bebida no bar”.
* * * * *
O seu primeiro filme, Play Misty for Me [Destino nas Trevas] foi feito em 1971. Desde então, qual o papel da sua companhia, Malpa-so, no seu trabalho como realizador?
A Malpaso deu-me a independência, precisa-mente quando eu mais precisava dela. Estava empenhado em não fazer filmes sempre do mesmo género: gostava muito dos westerns que fiz, com Sergio Leone e outros, mas queria também realizar e experimentar coisas diferentes.
Mas até mesmo em Gran Torino há uma componente de western, quanto mais não seja por causa do tema da terra e da pro-priedade.
A minha personagem, Walt Kowalski, é um homem que lutou pelo seu país e se reinstalou onde vivia. Agora, depara com uma vizinhança que já não é predominantemente de origem polaca, como ele, mas asiática, da comunidade “hmong”. O filme é sobre os seus preconceitos e a maneira como os acontecimentos o impelem a agir. Mas é também sobre este momento em que, por vezes, os mais novos se tentam livrar dos velhos, colocando-os em instituições. Claro que ele é o primeiro a reconhecer que não terá sabido es-tabelecer uma relação com os filhos. O certo é que descobre naquele obscuro grupo asiático um outro respeito pelos mais velhos. Daí que um dia se olhe no espelho e diga: “Tenho mais em comum com esta gente do que com a minha desgraçada família”. Podia ser um western. Mas é também muito contemporâneo.
O encontro com Clint Eastwood aconteceu em Paris, nos cenários acolhedores do Hotel Bristol, perto dos Campos Elíseos. Tendo em conta que muitas entrevistas “internacionais” se tornaram mini-conferências de imprensa, com seis (ou mais) jornalistas, foi simpático poder conversar durante cerca de meia hora com o autor de Gran Torino, partilhando o diálogo apenas com um colega, Ioannis Zoumboulakis ,do jornal grego To Vima. Tudo indica que esta contenção decorre de exigências do próprio Eastwood, até porque, ao contrário do que faz a grande maioria dos realizadores e actores americanos, ele não veio à Europa para dar entrevistas televisivas.
Discreto e contido nos seus 78 anos, Eastwood mostra-se também disponível para a deambulação e a ironia. A sua presença integra, sem crispação, a metódica passagem do tempo que temos vindo a descobrir nos filmes. Veste-se em tons suaves, castanhos e esver-deados, apenas os ténis, desatados e de cores mais contrastadas, contrariando a neutralidade da pose.
Quando, num paralelismo com Gran Torino, evoco Bronco Billy (1980), crónica desencantada sobre um circo que mima as glórias do velho Oeste, é evidente a ternura que Eastwood sente por esse filme tão esquecido (e, na altura do seu lançamento, tão mal amado). Mas não há nele qualquer ressentimento. Trata-se apenas de "con-tinuar a aprender". E o seu próximo filme, The Human Factor (sobre Nelson Mandela), irá reflectir essa mesma disponibilidade.
Já na despedida, falamos da sua admiração por Manoel de Oliveira que conheceu, em Maio do ano passado, no Festival de Cannes. Uma das pessoas do staff da Warner recorda-se de, também em Cannes, ter ouvido a “lenda” segundo a qual Oliveira não terá 100, mas já 102 ou 103 anos. Com timing perfeito, e em tom muito carinhoso, Eastwood comenta: “Se calhar está a mentir sobre a idade, a ver se lhe servem uma bebida no bar”.
O seu primeiro filme, Play Misty for Me [Destino nas Trevas] foi feito em 1971. Desde então, qual o papel da sua companhia, Malpa-so, no seu trabalho como realizador?
A Malpaso deu-me a independência, precisa-mente quando eu mais precisava dela. Estava empenhado em não fazer filmes sempre do mesmo género: gostava muito dos westerns que fiz, com Sergio Leone e outros, mas queria também realizar e experimentar coisas diferentes.
Mas até mesmo em Gran Torino há uma componente de western, quanto mais não seja por causa do tema da terra e da pro-priedade.
A minha personagem, Walt Kowalski, é um homem que lutou pelo seu país e se reinstalou onde vivia. Agora, depara com uma vizinhança que já não é predominantemente de origem polaca, como ele, mas asiática, da comunidade “hmong”. O filme é sobre os seus preconceitos e a maneira como os acontecimentos o impelem a agir. Mas é também sobre este momento em que, por vezes, os mais novos se tentam livrar dos velhos, colocando-os em instituições. Claro que ele é o primeiro a reconhecer que não terá sabido es-tabelecer uma relação com os filhos. O certo é que descobre naquele obscuro grupo asiático um outro respeito pelos mais velhos. Daí que um dia se olhe no espelho e diga: “Tenho mais em comum com esta gente do que com a minha desgraçada família”. Podia ser um western. Mas é também muito contemporâneo.
[continua]