Em 2006 o espantoso Silent Shout tirou a dupla sueca The Knife de uma condição de quase anonimato em que, ao terceiro disco, ainda viviam. O álbum revelou significativas mudanças na música da dupla de irmãos que constitui o grupo, propondo uma pop electrónica sombria, cinematográfica, num diálogo de raro entendimento entre o humano e o digital, entre os universos da música popular e os da arte conceptual, ideia amplificada depois na “experiência visual” que os acompanhou em palco e acabou documentada no disco (e DVD) ao vivo que editaram algum tempo mais tarde. E a seguir fez-se silêncio. Na verdade os Manos Olof e Karin têm trabalhado num projecto que verá a luz do dia mais para a frente, ainda este ano: uma ópera inspirada pela figura de Charles Darwin (Tomorrow In a Year, com estreia agendada para Novembro, em Copenhaga). Karin Andersson, a voz do grupo, colaborou entretanto com os Royksopp e dEUS. E entre o trabalho com o irmão para a ópera “darwinista” encontrou tempo para criar um conjunto coeso de canções, que agora edita como Fever Ray. O álbum, na verdade, é um descendente directo de Silent Shout, refreando o todavia desejo de manipular a voz e travando eventuais ímpetos rítmicos. É um disco igualmente assombrado, de melodismo em diálogo com as cenografias, à voz cabendo um protagonismo narrativo em histórias de solidão. Canções envolventes, apesar da atmosfera gélida que traduzem. Canções que caminham lentas, ganham familiaridade, libertam fantasmas, e criam gradual empatia com o ouvinte, num degelo que reconforta.
Fever Ray
“Fever Ray”
V2 / Popstock
4 / 5
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Nos últimos anos vimo-la, sobretudo, dedicada ao trabalho com os New Pornographers, uma banda indie rock canadiana que nos deu já uma mão cheia de belos discos. Contudo, Neko Case não esgota a sua arte nem com os Ñew Pornographers nem apenas entre as fronteiras (vastas, é certo) dos domínios indie rock... A sua discografia abarca outros destinos e várias outras parcerias, ocasionalmente abrindo espaço para um novo disco a solo. Não acontecia desde 2006 (com uma gravação ao vivo editada em 2007, é verdade). Middle Ciclone assinala um regresso em boa forma num disco que, apesar de traduzir uma alma “country” vai muito para lá dos cânones de Nashville. Canções que reflectem sobre espaços rurais, a vastidão do olhar e as paisagens, os ventos, brotam numa encruzilhada onde, além das heranças country se convocam experiências indie e até mesmo marcas de assimilação de um rock clássico. Canções aparentemente frágeis, suportadas por uma voz que sabe o que diz e como o diz. Com Neko Case encontramos uma pequena família de convidados entre os quais Garth Hudson (The Band) e membros dos Calexico, Giant Sand ou Los Lobos. Um disco seguro nos originais, que captam as vivências das várias experiências de Neko Case. Interessante nas versões propostas, ora revisitando os Sparks (Never Turn Your Back On Mother Earth) ou Harry Nilsson (Don’t Forget Me). A expressão “força da natureza” tem sido comum em muitos dos textos críticos sobre Middle Ciclone. E faz sentido. Pela relação com o mundo natural onde estão as raizes das imagens destas canções. Pela alma livre de quem as compôs.
Neko Case
“Middle Cyclone”
Anti / Popstock
4 / 5
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Chama-se Dent May, nasceu numa pequena cidade no estado do Mississipi, mas descobriu a sua verdadeira identidade como músico quando, pela sua frente, passaram discos de Serge Gainsbourg e Lee Hazlewood. Começou por se mostrar a bordo de uma aventura power pop (os Rockwells), mas hoje é a alma, rosto e voz da sua própria banda: Dent May & His Magnificent Ukelele. Bom nome, para já! Estamos em território garrido, aberto aos mais variados temperos, dos dois “mestres” acima citados aos sons do Brasil, de festa kitsch, de desejos de celebração pop. O título do seu álbum de estreia (lançado pela editora dos Animal Collective, a Paw Tracks) não esconde o som que nele encontramos. The Good Feeling Music Of Dent May & His Magnificent Ukelele revela um conjunto de canções que procuram acolher ícones, desejos e paixões, candidatando o protagonista desta aventura para, caso a sua obra se desenvolva interessante e desafiante, ocupar um dia um lugar num espaço onde hoje habitam grandes escritores de canções abertos à exploração de vários terrenos de som como Stephin Merrit ou Jens Lekman. Oh! Paris, a melhor canção deste primeiro álbum, é um exemplo promissor das potencialidades que o disco levanta. Um bom ponto de partida, portanto, pedindo em episódios seguintes uma mais eficaz ginástica de soluções e caminhos alargando, de desejo a facto, a música de Dent May aos horizontes das suas referências.
Dent May & His Magnificent Ukelele
“The Good Feeling Music Of Dent May & His Magnificent Ukelele”
Paw Tracks / Flur
3 / 5
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Em inícios de 2007 a dupla The Bird & The Bee revelava, num inesperadamente agradável álbum de estreia, como uma aventura pop era possível entre dois músicos que se haviam juntado para criar uma ideia jazz... mais light. Ele, Greg Kurstin, integrou em tempos os Geggy Tah e, como produtor, trabalhou com músicos como Beck, os Flaming Lips ou Kylie Minogue... Ela, Inara George, tinha um passado pop/rock a solo e em bandas, e chegara a colaborar com Van Dyke Parks... Juntos criaram em The Bird & The Bee um disco pop, frequentemente rendido às electrónicas, e pelo qual se cruzavam referências várias, de Tom Jobim a Burt Bacharah... O jazz revelava-se mais nas entrelinhas, subliminar. E a edição via Blue Note sublinhou, inevitavelmente, a sua discreta presença... Passaram os dois anos seguintes a trabalhar a visibilidade das suas canções, levando-as à banda sonora de várias séries televisivas e filmes... Criava-se expectativa para um sucessor, com bons aperitivos nos singles Polite Dance Song (2008) e, mais recentemente, Love Letter From Japan... O álbum, contudo, traz desilusão. Mantém os temperos já conhecidos, mostra cuidado na produção, mas a música perdeu o efeito de surpresa do anterior. Os singles destacam-se então numa colecção de canções quase todas elas pasteurizadas e sem os encantos do álbum de estreia.
The Bird and The Bee
“Ray Guns are Not Just The Future”
Blue Note / EMI
2 / 5
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Há cinco anos, a (re)descoberta de heranças fulcrais do pós-punk (ignorado anos a fio por muito boa gente até então), deu-nos algumas boas surpresas e grandes discos. Dos Franz Ferdinand aos Interpol, dos Killers aos Kaiser Chiefs, a oferta foi farta... Seguiram-se segundas e terceiras linhas. Ainda mais uma mão cheia de discos interessantes. Outros tem por isso... Mas hoje este é filão praticamente esgotado. Sobretudo quando às raizes evocadas nada mais se junta, propondo um novo e entediante exercício de baralha e volta a dar... É o que acontece com a estreia em álbum do trio londrino White Lies. Tal como os Editors no seu cativante disco de estreia (antes do deslaçar de ideias que chegou com o segundo, portanto), os White Lies revelam-se instrumentalmente competentes, num disco que deixa claro que sabem como gerir alguns ingredientes-chave em hora de fazer a festa pop/rock com tempero assombrado. O sólido (mas nada surpreendente) single To Lose My Life é mais um entre uma multidão de herdeiros de Love Will Tear Us Apart, piscando o olho, em jeito de cartão de visita, a quem não parece querer sair da velha formatura. O gosto pela pompa (garantido pela segura produção de Ed Buller e Max Dingel, que já trabalharam com os Killers ou Glasvegas, ) sugere ambições para festivais, estádios e eventuais sonhos maiores... White Lies, o disco, soa contudo mais a construção que a paixão. E, convenhamos, é mais coisa de mestre de obras com ambição que feito de arquitecto com visão...
White Lies
“White Lies”
Fiction / Universal
1 / 5
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Também esta semana:
Bonnie Prince Billy, Susumo Yokota, Black Lips
Brevemente:
23 de Março: Pet Shop Boys, Royksopp, The Rakes, Pearl Jam (reedição), Indigo Girls, Dan Deacon, Who Made Who
30 de Março: PJ Harvey + John Parish, Fever Ray (ed Nacional), Pete Doherty, Gomez, Whitest Boy Alive, Peter Bjorn & John, DAF (best of) , The Decemberists
6 de Abril: Yeah Yeah Yeahs, Xutos & Pontapés, Neil Young, Bat For Lashes, Bill Callahan, Siouxsie & The Banshees (reedições), Nick Cave & The Bad Seeds (reedições)
Abril: Metric, Papercuts, Depeche Mode, Annie, Tortoise, Vitalic, Bell Orchestre
Maio: Conor Oberst, Grizzly Bear, VV Brown, Art Brut, Tori Amos, Iggy Pop, Phoenix