John Corigliano (n. 1938) não tem receio de o confessar: apesar de ser americano, nunca tinha escutado as canções que fizeram de Bob Dylan um dos símbolos maiores da geração de 60 (e depois uma das mais determinantes referências de toda a história da música popular). E manteve fora do seu alcance as verões originais durante o trabalho de composição que agora vê a luz do dia na forma de um disco. Editado pela Naxos, Mr. Tambourine Man: Seven Poems of Bob Dylan não é mais que um ciclo de canções que toma como ponto de partida poemas com história como Blowin' In The Wind, All Along The Watchtower, Clothes Line, Masters Of War, Forever Young ou Chimes Of Freedom. Além, claro está, daquele que dá título ao ciclo.
Revisitar Bob Dylan e a sua música, é certo, está longe de ser uma aventura inédita. Ainda o "trovador" era um talento em afirmação (já com sucesso, é certo), e os Byrds faziam de uma leitura sua de Mr. Tambourine Man um primeiro caso de reconhecimento generalizado do potencial de exploração e invenção guardado na escrita de Dylan. Ao longo dos anos nomes dos mais variados quadrantes da invenção musical recriaram clássicos seus. De Bryan Ferry a Sérgio Godinho, de Cher aos Duran Duran... John Corigliano traz, de diferente, não apenas a abordagem pela música erudita. Mas também o facto de, a Dylan, só "pedir" os poemas.
John Corigliano pertence à geração de Philip Glass e Steve Reich, mas a sua música seguiu caminhos distintos, procurando antes referências na música de Copland, Ives e Barber. De comum com Glass partilha contudo uma agenda de colaborações com o cinema, que já lhe valeram um Oscar pela banda sonora de The Red Violin, em finais dos anos 90. Antigo colaborador de Leonard Bernstein, passou pelas salas da Julliard School como professor. A sua Sinfonia Nº1, de 1991, reflecte sobre o sentimento de perda gerado pela morte de inúmeros amigos seus, vítimas de sida. Em 2001, a sua Sinfonia Nº 2 valeu-lhe um Pulitzer.
A ideia para o ciclo de canções com poemas de Bob Dylan, que agora é editado entre nós, nasceu de um convite para a composição de um ciclo de canções, a apresentar no Carnegie Hall, em Nova Iorque. John Corigliano, que no passado havia já trabalhado sobre poemas de outros autores (Stephen Spender, Richard Wilbur, Dylan Thomas e William H. Hoffman), procurava novas palavras... Queria trabalhar um autor vivo. E, como confessa no booklet que acompanha agora o disco, "alguém que falasse para toda a gente - até mesmo pessoas que não lessem poesia".
Alguém lhe sugeriu Bob Dylan... "Ninguém que tivesse vivido os anos 60 poderia ter passado sem ouvir as suas canções e discos. Estavam na discoteca de toda a gente... Menos na minha", confessa o compositor no mesmo texto. Na época, na casa dos vinte anos, Corigliano era um entusiasta da música de Stravinsky e Copland. Gostava de musicais. Sobretudo os de Gershwin, Kern ou Rodgers. Mas a folk, os seus novos autores em afirmação e a contracultura rock'n'roll não faziam a sua lista de preocupações no momento.
Pediu apenas os poemas... Comprou uma antologia em livro. Gostou. "Muitos eram de facto tão belos e tão imediatos como me haviam dito." E, acrescentou, "adaptáveis à minha linguagem musical". Dylan autorizou... E então John Corigliano escolheu sete poemas, dos quais acabou por trabalhar um ciclo de canções com pouco mais de 35 minutos de duração. "Os mais familiarizados com a música de Bob Dylan vão certamente ser surpreendidos por esta abordagem", explica ainda no booklet. E tem razão.
PS. Versão editada de um texto originalmente publicado a 31 de Janeiro no suplemento DN Gente, do DN.