1. POVO. São primeiras páginas dos jornais desportivos (de ontem, 1 de Fevereiro). Unidas pela utilização da mesma expressão — alegria do povo —, são sintomas contundentes de uma questão que, infelizmente, muito pouco se pensa: a normalização dos padrões jornalísticos e, mais especificamente, da utilização da língua portuguesa.
Ninguém ignora que o momento do jornalismo tradicional — em papel, entenda-se — não é simples e está muito longe de ser eufórico. As muitas reconversões estruturais e económicas a que se tem assistido têm deixado marcas na profissão jornalística, por vezes suscitando interrogações pertinentes sobre a evolução do meio.
Seja como for, tais questões não esgotam os problemas. Como se prova por estes três exemplos. Nenhuma explicação meramente economicista basta para compreender esta tristíssima homogeneização: no mesmo dia, três publicações concorrentes adoptam a mesma terminologia para a sua manchete. Curiosamente, recuperando uma palavra — povo — que caíu em desuso em quase todos os discursos, a começar pelos que emanam da cena política.
2. ILUSÃO. Dir-se-ia que este é um jornalismo que, como uma espécie de perversa ilusão simbólica, tenta manter vivo um imaginário popular a cuja decomposição, em boa verdade, assistimos todos os dias, nomeadamente dos espaços mais populistas das televisões. Um pouco como os velhos do Restelo que só sabem referir o cinema português como um paraíso perdido em que proliferaram os "Vascos Santanas e "Antónios Silvas" (omitindo, entre muitas outras coisas mais complexas, o simples facto de a maior parte das suas comédias terem tido, na altura da estreia, um banalíssimo impacto comercial).
3. FÁBULAS. O que deixa um saldo insólito: este é um jornalismo que usa conceitos ("alegria", "povo") que, por momentos, até podem ter alguma operacionalidade meramente descritiva; ao mesmo tempo, a sua lógica mais funda remete-nos para um país que não existe, por assim dizer exterior a todas as convulsões que vivemos nas últimas décadas e que, no presente, experimentamos de forma dramática. Ou ainda: na tragédia imensa do país que (não) lê, a imprensa desportiva oferece-nos o derradeiro reduto onde ainda é possível contar fábulas.