A história da passagem da atenção do grande público habitualmente dado aos terrenos pop/rock (e periferias) por azimutes africanos mostra um padrão irregular de acontecimentos. Nos anos 80 e 90, em tempo de afirmação discográfica (e em palco) do fenómeno world music, nomes vários, de Baaba Maal a Youssou N’Dour, das Zap Mama a Geoffrey Oryema, de Ali Farka Touré a Papa Wemba, entraram no mapa mundo. Sucederam-se discos, revelações, que depois transportaram públicos para palcos de novos festivais. E as inevitáveis assimilações, visíveis desde o álbum de estreia de Malcolm McLaren ao histórico Graceland, de Paul Simon... Na presente década, apesar dos feitos de alguns outros músicos (Toumani Diabaté sendo um dos casos mais aclamados), África esteve mais presente no discurso humanitário dos músicos ocidentais que na ementa de exposição maior dos consumidores “generalistas” de música em solo europeu. A recação de mitos perante o que parecia ser um “exotismo” em algumas canções dos Vampire Weekend sublinhou a ausência de África no cartaz áudio de muitos dos seguidores da novidade nos terrenos actuais da música popular. Mas no entanto, de África continua a chegar música... E um dos nomes que se mais destacou nos últimos anos, apesar de somarem já longos anos de carreira no Mali, foi a dupla Amadou & Mariam, casal de marido e mulher, cegos, que como tantos nomes maiores da música africana tiveram Paris como primeira capital ocidental no reconhecimento do seu trabalho. Foi em finais dos anos 90... Depois, em 2003, Manu Chao colaborou com a dupla, produzindo Dimanche À Bamako, que os levou a um outro patamar de aclamação. Gravaram entretanto com o alemão Herbert Gronemeyer, fizeram primeiras partes para os Scissor Sisters. E agora conhecem novo episódio num disco que conta, como parceiro maior, nada mais nada menos que Damon Albarn. O vocalista dos Blur, em 2002, gravara já um álbum no Mali, acabando contudo esse desafiante Mali Music por ser dos discos menos divulgados de toda a sua obra. Em Welcome to Mali a sua presença é menos transversal. Na verdade, limita-se a co-assinar, produzir e tocar vários instrumentos na espantosa faixa de abertura (o single Sabali), ocupando-se ainda dos teclados em Ce N’est Pas Bon. O restante alinhamento do álbum fica entregue à dupla protagonista, numa viagem que, sem repetir a excelência pop de Sabali, revela traços viçosos de contemporaneidade para uma pop ciente das suas raizes em África. Estão aqui os traços da herança blues rock que há muito encantam Amadou Bagayoko. E o habitual jogo de contrastes que o casal lança sobre as suas composições. O “furor” destencadeado pelo disco, em finais do ano passado, é plenamente justificado.
Amadou & Mariam
“Welcome To Mali”
Because Music / Warner
4 / 5
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Foi uma espera longa (não necessariamente um calvário, que a história acaba bem). A aventura dos Doismileoito começou há pouco mais de três anos, numa cave na Maia, ao que parece sob uma árvore. Coisas da mitologoia rock’n’roll... Deram primeiros sinais de vida num concurso de bandas. E logo surpreenderam. Em primeiro lugar pela opção por cantar em português (ainda estava longe o cenário de mudança que emergiu em 2008, com alguns dos seus protagonistas já activos, e sob os mesmos princípios, todavia sem a visibilidade entretanto adquirida). Em segundo, pela invulgar versatilidade das propostas que revelavam em canções que tomavam a electricidade como medula dos acontecimentos, com a surpresa e invulgar engenho por perto. Com recursos minimalistas (apenas três múscos, o baterista partilhando a atenção sobre o seu kit com um teclado), os Doismileoito mostravam desde logo um gosto pela criação de composições com refrões nada tímidos e um interesse claro pela exploração de transições de estados de intensidade que desenham mudanças de clima sem abandonar a personalidade da canção. A “herança” Ornatos (nada grave, antes pelo contrário), mais evidente nos primeiros tempos, aos poucos, foi cedendo à construção de uma linguagem. E aí, a ostensiva diferença de gostos musicais entre os elementos induziu gradualmente a saudável presença do inesperado. Quase três anos depois, o álbum de estreia é o retrato de um trabalho em construção até ao momento. Uma soma de episódios, que une pequenos concentrados de alma pop e energia rock’n’roll, num corpo comum, onde se destacam agora, não os gritos de electricidade em afirmação de um Caratequide ou Bem Melhor, mas a revelação da elegância de algumas canções mais subtis na forma, levantando sinais de que o trabalho em curso não vai ficar por aqui. Pelo contrário, será brevemente bem melhor...
Doismileoito
“Doismileoito”
EMI Music Portugal
3 / 5
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Mais um regresso. Não gravavam há mais de dez anos. Contudo, através de uma magnífica série de recentes reedições no catálogo da Soul Jazz Records, a música dos A Certain Ratio (habitualmente referidos como ACR) está longe de ser estranha aos ouvidos do presente. Um pouco de história pode recordá-los como uma espécie de carta fora do baralho no catálogo inicial da Factory Records, na Manchester de finais de 70. Bem distantes das visões sombrias dos Joy Division ou da melancolia solitária dos Durtti Column, espreitavam então o outro lado da noite. Não necessariamente festivo, mas procurando pontes entre a vivência com sede de descoberta característica da new wave e a fria realidade urbana da Inglaterra de então, com ecos de linguagens nocturnas que chegavam do outro lado do Atlântico. Juntando ainda uma curiosidade pelas heranças directas de uns Kraftwerk (e suas imediatas descendências) e pelas dinâmicas do funk, com a “família” Clinton (a de George, ou seja, Parliament e Funkadelic) certamente entre as referências escutadas. Álbuns como To Each (1981) ou Sextet (1982) são esforços contemporâneos de movimentações que fizeram escola na Nova Iorque de então (ESG, Liquid Liquid e afins), e peças basilares numa discografia que ainda nos deu alguns títulos intreressantes em finais de 80 e inícios de 90, antes de ceder ao silêncio. Bandas como uns The Rapture ou LCD Soundsystem são exemplos de descendência presente de ideias ensaiadas pelos ACR. Agora, cabe aos próprios mostrar como se continua a escrever a história que iniciaram há 32 anos. Mind Made Up cruza técnicas de gravação analógicas e digitais, mas esgota aí a busca de contacto entre a memória e o presente. Imune à vontade de experimentar as linguagens do “momento”, os ACR optam antes por seguir um caminho seu, à sua maneira. As novas canções (e uma nova leitura para o clássico Rialto) mostram uma medula rítmica moldada pelo funk. Juntam-se as vozes, as guitarras, as melodias, as inevitáveis percussões. Longe do seu melhor, mas bem distante dos equívocos “modernaços” de alguns outros regressos, Mind Made Up corre contudo o risco de ser um acontecimento algo inconsequente para o grande público. Mas não desiludirá certamente os que, desde há muito, os contam entre os mais interessantes frutos da new wave britânica.
A Certain Ratio
“Mind Made Up”
Harmonia Mundi / Compact
3 / 5
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Tiveram uma passagem breve pelos palcos da atenção pop/rock dos nossos dias. Chamavam-se The Organ e, apesar de terem entrado em cena em tempos de um desvio de atenções da comundidade indie rock para o Canadá, acabaram por nunca deixar de ser ousiders. Talvez porque, ao contrário da esmagadora maioria das bandas que então se fizeram aos palcos do mundo, vinham de Vancouver (lá mais longe) e não do eixo Montreal-Toronto que somava a maioria dos nomes de que mais se falava. Mesmo com casa mais distante, a familiaridade das referências mais centrais à sua personalidade trouxe-lhes rapidamente uma legião de admiradores. Com The Smiths e Blondie como ingredientes centrais, a música dos The Organ estava longe de ser de difícil digestão. A sua ginástica pop, talhada para a escrita de refrões, colocou-os juntamente com os Long Blondes e outros mais entre a lista de revelações que chegaram aos cantos do mundo por volta de 2004. Nesse ano, o álbum de estreia Grab That Gun, sem conquistar chuvas de aplausos e entusiasmo acima da média, fez da banda um dos nomes a ter como promessa a acompanhar... Porém, o inesperado aconteceu. E por motivos vários, anunciaram em 2006 que cada um seguiria de então em diante por caminhos separados. E agora, quando deles não se esperava mais que não uma eventual memória nas antologias “best of indie 00”, a editar lá para 2020, eis que reaparecem, mas com um objectivo concreto: gravar num EP as canções que tinham composto mas estavam ainda por editar. Como que a completar um último episódio que haviam deixado incompleto. Thieves resulta desta breve reunião. E junta seis temas, na verdade sem surpresas de maior.
The Organ
“Thieves”
Mint Records / Edel
2 / 5
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Ninguém duvida que, entre a multidão de bandas nascidas na presente década, os Strokes são das poucas que já têm o seu lugar assegurado na grande história da música popular. Contudo, na hora de trabalhar em nome próprio, ou seja, quando se apresentam nos seus projectos a solo, os elementos da banda raramente ultrapassam a barreira da discreta mediania... Albert Hammon Jr teve um bom álbum de estreia, mas o segundo foi uma das maiores desilusões dos últimos tempos. Casablancas lançou um single com Santogold e Pharell Williams. O baterista Fabrizio Moretti acaba de editar a estreia de Little Joy... E agora surge o projecto Nickel Eye, aventura paralela do baixista Nikolai Fraiture, que se apresenta no álbum de estreia The Time Of The Assassins. O disco, como de resto já vimos em anteriores experiências de “Strokes” a solo, afasta-se substancialmente da linguagem habitual nas canções da banda. É um disco essencialmente entregue a um desejo de assimilar as heranças de cantaurores de referência na canção norte-americana de 70, nomeadamente as figuras de Neil Young e Bruce Springsteen. Apesar das contribuições de Regina Spektor e Nick Zinner (dos Yeah Yeah Yeahs), o álbum é um acontecimento morno a dar para o frio. A escrita tenta a construção de histórias, mas a composição não lhes dá cenário, tal como a voz não encanta na narração. Ocasionalmente aproxima-se de terreno “Strokes” e então ganha luz e viço (como em You and Everyone Else, uma das melhores canções do disco). Mas na essência Nikolai Fraiture e os seus Nickel Eye parecem perdidos numa existência parda, à qual estas canções não dão outra forma nem mais cor.
Nickel Eye
“The Time Of The Assassins”
Ryko
2 / 5
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Também esta semana:
Andrew Bird, Benjy Ferree, Jim White, Lloyd Cole, Dakota Suite, A Camp, Burt Bacharah (best of)
Brevemente:
9 de Fevereiro: Lilly Allen, Van Morrission (live), Erasure (remixes), Frida Hyvonen, A.S. Mutter (Mendelssohn), Emmy The Great, Pet Shop Boys (reedições)
16 de Fevereiro: Beirut, Morrissey, M Ward, Empire Of The Sun, Dark Was The Night, Jah Wobble, Ultravox (reedições), Visage (reedição), REM (reedição), Graham Nash (reedição)
23 de Fevereiro: The Prodigy, Erasure, Jazzanova, Damned (reedições), Cinematic Orchestra, “Heroes”, Can (reedição), Eliott Carter (retrospectiva), Van Morrisson (reedições)
Fevereiro: Björk (DVD), Casiotone for the Painfully Alone, Kate Bush (DVD), Asobi Seksu, Dean & Britta (DVD), Vetiver, Grandmaster Flash, Pearl Jam (reedição), Robert Wyatt (caixa), John Hassel, J.E. Gardiner (Brahms), Sound of Arrows
Março: U2, Grizzly Bearl, Neko Case, White Lies (ed nacional), Xutos & Pontapés, The Prodigy, Mexican Institute of Sound, Mirah, Bonnie 'Prince' Billy, William Orbit, The Decemberists, PJ Harvey + John Parish, Arcade Fire (DVD), MSTRKRFT, Frank Black, VV Brown, Bell Orchestre, Fever Ray
Abril: Tortoise, Art Brut, Vitalic, Bill Callahan