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Pelas mais variadas razões era uma das estreias mais aguardadas do ano passado. Por um lado representava a primeira realização assinada pelos irmãos Andy e Larry Wachowski, os criadores da trilogia Matrix, desde a terceira e última parte dessa aventura que marcou a história do cinema da presente década. Não menos importante era a expectativa perante a anunciada utilização de uma nova tecnologia, que permite a composição de imagens por camadas. Um método que, contra a lógica tradicional no cinema de imagem real, possibilita a existência de vários planos de focagem em simultâneo.
Baseado em Mach GoGoGo, uma manga japonesa impressa nos finais dos anos 50, adaptada a série televisiva já nos anos 60, Speed Racer não esconde a sua génese. E vinca, pela presença marcada da cor e de uma identidade gráfica imponente, um sentido de fantasia mais próximo dos universos da animação. Os irmãos Wachowski pretenderam contudo sublinhar a identidade de pele e osso das personagens. E procuraram manter viva essa face mais próxima do real usando um elenco com figuras de peso em que se destacam Emile Hirsch, Christina Ricci, Susan Sarandon e John Goodman.
Speed Racer, abordado com temperos de "filme de família", é uma história em volta de corridas de carros. O protagonista, Speed (Emile Hirsch), é o irmão do meio de uma família com tradição nas corridas. E, reconhecendo não saber fazer mais nada, vive de prego a fundo no acelerador... Entre as suas metas: ganhar, claro... Mas também honrar o irmão mais velho. Um irmão desaparecido. O seu ídolo.
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Consideremos, por exemplo, os efeitos especiais como génese de novos conceitos de espaço, tempo e narrativa: Speed Racer diz que sim a tudo isso e mostra que o leque de possibilidades é muitíssimo mais vasto do que alguma vez pudemos supor. Lembremos a dúvida sobre a relação do trabalho dos actores com esses mesmos efeitos: Speed Racer desmonta todos os preconceitos e valoriza esse trabalho sem lhes sobrepor os valores virtuais da sua figuração. Enfim, que dizer das possíveis relações da narrativa cinematográfica com registos tão diversos como a animação, os telediscos e a banda desenhada? Speed Racer é uma apoteótica integração de tudo isso, fazendo-nos sentir numa paisagem em que as memórias primitivas de Méliès se cruzam, alegremente, com as mais insólitas experiências que podemos descobrir na Internet.
O filme consegue, assim, essa coisa espantosa que é possuir uma evidente carga de futuro, ao mesmo tempo que mantém uma relação rica e descomplexada com as mais antigas referências culturais. Noutros tempos, chamava-se a isso ser vanguardista. Mas a palavra caíu em desuso e a culpa não é, por certo, dos Wachowski.