No ano de 2010, a África do Sul vai receber o Campeonato Mundial de Futebol. Entretanto, por cá, há considere razoável e pertinente colocar Portugal na lista de candidatos ao Mundial de 2018. Que fazer face a semelhança tragédia política? Sobretudo, como avaliar a crescen-te "futebolização" do país? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (11 de Janeio), com o título 'O país que organiza Mundiais de Futebol'.
No dia 9, o Governo manifestou o seu apoio a uma candidatura de Portugal (em conjunto com a Espanha) à organização do Mundial de Futebol de 2018. Em carta de Laurentino Dias [foto], se-cretário de Estado da Juventude e do Desporto, a Gilberto Madaíl, presidente da Federação Portu-guesa de Futebol, escreve-se: “Uma candidatura conjunta de Portugal e Espanha será de manifesto interesse desportivo e económico para Portugal, pois permitirá afirmar o país num evento de grandeza mundial com reflexos positivos no âmbito desportivo, turístico e económico.”
Sou dos que pensam que tal candidatura constitui um monumental erro económico, cultural e simbólico. Mesmo à distância de dez anos, como classificar esta opção num país tão fortemente abalado por uma dramática crise internacional (cujas linhas de força não controla nem pode controlar)? Num país em que muitas populações continuam a não possuir recursos mínimos de conforto (veja-se o pânico instalado pela vaga de frio), que significado atribuir à megalomania de pretendermos concretizar um... Mundial de Futebol? Mais ainda: tendo em conta as imensas implicações conjunturais de tal projecto, como é possível que os meios políticos (a começar pelas oposições) não tenham nada para dizer? Enfim, são desabafos de um cidadão amante de futebol, mas todos os dias desiludido pelo modo como o imaginário futebolístico foi transformado em único alimento cultural de vastíssimos sectores do país.
Vem isto a propósito de uma peripécia, também ligada ao futebol, e que, essa sim, tem ocupado tudo o que é espaço mediático, com especial destaque para as imagens televisivas que a transformaram num quase drama de Estado. Falo de quê? Da decisão de Filipe Soares Franco [foto] não se recandidatar à presidência do Sporting Clube de Portugal. Desde a entrevista a Judite de Sousa (RTP1) em que deu conta dessa decisão, não se pode ligar uma televisão (ou uma rádio, já agora) sem esbarrar com alguém que aborda a questão como se estivesse em causa o destino do próprio regime democrático.
Escusado será dizer que nada disto tem a ver com o Sporting enquanto clube. Aliás, corrijo: tudo isto tem a ver com a abordagem mais frequente das notícias dos chamados grandes do futebol (Porto, Sporting e Benfica) que, nem que seja porque um jogador teve uma distensão muscular num treino, são tratadas com uma pompa discursiva e um destaque informativo que estão muitíssimo para além do seu significado e importância na dinâmica da sociedade portuguesa.
Aliás, repare-se, não é um problema meramente quantitativo que aqui se discute. Não se trata de cair no infantilismo de proclamar que, como “compensação”, devia ser dada a mesma evidência, por exemplo, à sucessão da Ordem dos Médicos ou à escolha de um administrador na Fundação Gulbenkian (uma e outra, de facto, vitais para o país). O que está em causa, entenda-se, é a “futebolização” galopante, aliás cúmplice desse populismo que conseguiu fazer crer que o nosso patriotismo se afirma por colocarmos bandeiras nacionais à varanda... Na prática, gostar do futebol pelo futebol tornou-se suspeito. Querem obrigar-nos a consumir futebol como se, através dele, estivesse em causa a nossa identidade como povo. Não está.
No dia 9, o Governo manifestou o seu apoio a uma candidatura de Portugal (em conjunto com a Espanha) à organização do Mundial de Futebol de 2018. Em carta de Laurentino Dias [foto], se-cretário de Estado da Juventude e do Desporto, a Gilberto Madaíl, presidente da Federação Portu-guesa de Futebol, escreve-se: “Uma candidatura conjunta de Portugal e Espanha será de manifesto interesse desportivo e económico para Portugal, pois permitirá afirmar o país num evento de grandeza mundial com reflexos positivos no âmbito desportivo, turístico e económico.”
Sou dos que pensam que tal candidatura constitui um monumental erro económico, cultural e simbólico. Mesmo à distância de dez anos, como classificar esta opção num país tão fortemente abalado por uma dramática crise internacional (cujas linhas de força não controla nem pode controlar)? Num país em que muitas populações continuam a não possuir recursos mínimos de conforto (veja-se o pânico instalado pela vaga de frio), que significado atribuir à megalomania de pretendermos concretizar um... Mundial de Futebol? Mais ainda: tendo em conta as imensas implicações conjunturais de tal projecto, como é possível que os meios políticos (a começar pelas oposições) não tenham nada para dizer? Enfim, são desabafos de um cidadão amante de futebol, mas todos os dias desiludido pelo modo como o imaginário futebolístico foi transformado em único alimento cultural de vastíssimos sectores do país.
Vem isto a propósito de uma peripécia, também ligada ao futebol, e que, essa sim, tem ocupado tudo o que é espaço mediático, com especial destaque para as imagens televisivas que a transformaram num quase drama de Estado. Falo de quê? Da decisão de Filipe Soares Franco [foto] não se recandidatar à presidência do Sporting Clube de Portugal. Desde a entrevista a Judite de Sousa (RTP1) em que deu conta dessa decisão, não se pode ligar uma televisão (ou uma rádio, já agora) sem esbarrar com alguém que aborda a questão como se estivesse em causa o destino do próprio regime democrático.
Escusado será dizer que nada disto tem a ver com o Sporting enquanto clube. Aliás, corrijo: tudo isto tem a ver com a abordagem mais frequente das notícias dos chamados grandes do futebol (Porto, Sporting e Benfica) que, nem que seja porque um jogador teve uma distensão muscular num treino, são tratadas com uma pompa discursiva e um destaque informativo que estão muitíssimo para além do seu significado e importância na dinâmica da sociedade portuguesa.
Aliás, repare-se, não é um problema meramente quantitativo que aqui se discute. Não se trata de cair no infantilismo de proclamar que, como “compensação”, devia ser dada a mesma evidência, por exemplo, à sucessão da Ordem dos Médicos ou à escolha de um administrador na Fundação Gulbenkian (uma e outra, de facto, vitais para o país). O que está em causa, entenda-se, é a “futebolização” galopante, aliás cúmplice desse populismo que conseguiu fazer crer que o nosso patriotismo se afirma por colocarmos bandeiras nacionais à varanda... Na prática, gostar do futebol pelo futebol tornou-se suspeito. Querem obrigar-nos a consumir futebol como se, através dele, estivesse em causa a nossa identidade como povo. Não está.