O mundo das imagens é escasso para dar conta do nosso próprio mundo. O tempo que vivemos define-se também pelas palavras que usamos — e, sobretudo, pelo modo como as usamos. E define-se ainda pelas palavras que resistimos a usar — e, sobretudo, pelas razões que nos levam a evitá-las.
Assim, actualmente, na bolsa semântica, estão em alta palavras como "crise", "pessimismo", "desemprego", "dívida" e "vítima". Quando as dizemos, por certo não estamos todos a falar do mesmo, mas partilhamos a ilusão acolhedora de vogarmos em terreno comum e experimentarmos sensações cúmplices.
Mas ninguém se atreve a usar palavras da família da palavra "felicidade". Ninguém? Quase ninguém... O imaginário futebolístico é um universo com regras muito próprias, todos os dias apostado em transcender a banalidade do quotidiano. Não só a felicidade é possível, como há quem esteja feliz. Porquê? Por ter ganho um jogo de futebol.
É tempo de desistirmos de descrever o nosso mundo unicamente a partir das suas imagens — é bem verdade que "literatura" e "pensamento" estão no extremo mais distante da lista das palavras menos amadas, e até mais desrespeitadas, mas tudo continua a passar pela escrita.